segunda-feira, 9 de março de 2015

37 – O grito – G. Mistral

“O grito” texto de Gabriela Mistral (1889-1957) escritora chilena, primeira entre todos os latino americanos a receber o Premio Nobel de Literatura em 1945.
O GRITO
Gabriela Mistral

América, América! Tudo por ela, pois dela virá nossa desgraça ou nosso bem! 
Somos ainda México, Venezuela, Chile, o asteca-espanhol, o quechua-espanhol, o araucano-espanhol; mas amanhã seremos América, quando a tristeza nos faça sentir em sua dura queixada a mesma e única dor e não apenas um anseio.
Professor: ensine em sua aulas o sonho de Bolívar, o primeiro dos profetas. Crava na alma de teus alunos com o profundo espeto do convencimento. Divulga a América, de Andres Bello, Domingo Sarmiento, Victorino Lastarria e José Martí. Não deixe que a Europa te embriague, um embriagar distante, por ser distante e diferente,  além do que caduco, com uma caduquez, bela mas fatal.
Descreva tua América. Faça com que amem a radiante meseta mexicana, a verde estepe da Venezuela e a negra selva austral. Diga tudo de tua américa: como se canta nos pampas argentinos, como se arranca a perola do Caribe e como se povoa de brancos a Patagônia.
Jornalista: Seja justo com toda América. Não desprestigies a Nicarágua, para exaltar a Cuba; nem a Cuba para exaltar a Argentina. Pensa em que chegará a hora em que seremos um só e então o desprezo e sarcasmo que plantaste te mordera na própria carne.
Artista: Mostra em tua obra a habilidade em ser elegante, a habilidade da sutileza, de beleza e profundidade ímpar que temos. Exalte a Leopoldo Lugones, a Ruben Darío e a Amado Nervo: Creia em nossa sensibilidade que pode vibrar como a outras e irradiar como outras a gota cristalina e breve de uma obra perfeita.
Industrial: Ajude-nos a vencer, ou ao menos deter a invasão que dizem inofensiva, mas que é fatal, da América loira que nos quer vender de tudo, povoar nossos campos e a cidades com suas maquinas, seus produtos, até do que já temos e não sabemos explorar. Instrua a teus operários, instrua a teus químicos e a teus engenheiros. Industrial: tu deverias ser o chefe desta cruzada que abandonas aos idealistas.
Ódio aos yankes? Não! Nos estão vencendo, nos estão envolvendo por nossa própria culpa, por nossa tórrida languidez, por nosso fatalismo índio. Nos estão desagregando por obra de algumas de suas  virtudes e de todos nossos vícios raciais. Por que odiá-los? Odiemos aquilo que dentro de nós mesmos nos faz vulnerável a seus pregos de aço e de ouro: sua vontade e sua opulência.
Orientemos toda a atividade como uma flecha em direção ao futuro iniludível: a América Espanhola, por duas coisas estupendas: a língua que Deus nos deu e a dor que nos dá o Norte.
Nós assoberbamos a este à Norte com nossa inercia; nós estamos criando, com nossa preguiça, sua opulência; nós lhes estamos fazendo sobressair, com nossos ódios mesquinhos, a sua serenidade e mesmo a justiça.
Discutimos incansavelmente, enquanto eles fazem; nos despedaçamos, enquanto eles se juntam, como uma carne jovem, se tornam duros e formidáveis, soldam os vínculos de seus estados de mar a mar; falamos, alegamos, enquanto eles plantam, fundem, serram, lavram, multiplicam, forjam; criam com fogo, terra, ar e agua; criam minuto a minuto, educam em sua própria fé e se tornam, por esta fé invencíveis.  
América e somente América! Que inebriante futuro, que beleza, que reinado vasto para a liberdade e para as virtudes maiores!
1922 - Santiago de Chile.

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