Estes dois contos “Rashomon” e “Depois do Bosque” do
autor japonês Ryunosoke Akutagawa (1892-1927) deram origem ao roteiro de um dos
maiores filmes de todos os tempos: Rashomon de Akira Kurosawa. R. Akutagawa,
considerado o pai do conto japonês, atribuía grande importância à estrutura do
conto, que para ele era ainda mais importante do que o lirismo e o enredo.
Lamentavelmente sua carreira foi muito breve. Depois de conviver com sérios distúrbios
mentais, ele se suicidou aos 35 anos.
Rashomon
Ryunosoke Akutagawa
Era num
entardecer. Um servo de baixa condição esperava, sob o Rashomon[1],
que a chuva passasse. Sob o amplo
portal, além daquele homem, não havia mais ninguém. Somente um grilo, que
permanecia pousado na enorme coluna circular com áreas descascadas no laqueado alaranjado.
Uma vez que o Rashomon se situava na Avenida Suzaku, era de esperar que
houvesse mais duas ou três pessoas, com seus chapéus femininos cônicos ou
masculinos alongados, abrigando-se da chuva. Entretanto, além daquele homem não
havia mais ninguém.
Isso porque, nos últimos dois ou três anos, Quioto
sofrera seguidas calamidades: terremotos, redemoinhos, incêndios e fome. Por
essas razões, era enorme a desolação no centro da Capital. Rezam as antigas
crônicas que naquele tempo estátuas de Buda e objetos de culto budista eram
destruídos empilhando-se na beira da estrada a madeira ainda laqueada ou
folheada a ouro e prata para ser vendida como lenha. Se até o centro da
Capital se encontrava naquelas condições, da conservação do Rashomon, então,
nem sequer se cogitava. Assim, tirando partido do abandono em que o Portal se
encontrava, raposas e texugos começaram a se abrigar ali. E também ladrões.
Até que, afinal, passado um tempo, virou habito
abandonar, no Rashomon, cadáveres não reclamados. Por isso, quando a luz do dia
não podia mais ser vista, era tamanho o pavor que ninguém mais ousava se
aproximar.
Corvos começaram então a se juntar em bandos, vindos
sabe-se lá de onde. Durante o dia, inumeráveis, eles descreviam círculos e
grasnavam ao redor da alta cumeeira. No crepúsculo, quando o sol se avermelhava
sobre o Portal, facilmente podiam ser divisados, como grãos de gergelim
dispersos no ar. Vinham, obviamente, alimentar-se da carne dos mortos
abandonados na galeria. . . Se bem que, naquele dia, não se avistasse nenhum
deles, talvez devido ao adiantado da hora. Mas podiam-se notar seus excrementos
pontilhados de branco sobre os degraus de pedra quase em ruínas, em cujas
fendas o capim crescia. Acocorado no ultimo dos sete degraus, sob o tecido
surrado de sua vestimenta azul-escura, o servo olhava a chuva, distraído,
sentindo-se incomodado com a enorme espinha que lhe aparecera na face direita.
Escreveu o autor anteriormente: “Um servo de baixa
condição esperava a chuva passar”. Entretanto, mesmo que a chuva passasse, o
servo não teria, na verdade, nada a fazer. Normalmente, é claro, deveria
retornar à casa de seu senhor. Acontece que fora dispensado havia quatro ou
cinco dias. Como também se escreveu antes, a cidade de Quioto, por essa época,
se encontrava em acentuado estado de decadência. E o fato de ter sido dispensado
pelo senhor, a quem servira durante longos anos, não passava de uma pequena
consequência daquela decadência geral. Seria, portanto, mais adequado dizer “Um
servo de baixa condição, preso pela
chuva, estava desnorteado, sem saber para onde ir” do que “Um servo de baixa
condição esperava a chuva passar”. Além do mais, o tempo chuvoso contribuía
sensivelmente para a disposição de espírito daquele homem da era Heian. A chuva
que começara a cair depois das quatro horas da tarde parecia não mais parar.
Assim, havia algum tempo, o servo escutava, com ar ausente, o barulho da chuva
que caía na Avenida Suzaku ruminando pensamentos desconexos, procurando
resolver, antes de mais nada, a questão de sua sobrevivência – questão que ele
sabia ser insolúvel.
A chuva que envolvia o Portal trazia a massa do som
até das gotas mais longínquas. A escuridão aos poucos fazia baixar o céu; quem
levantasse os olhos veria o telhado do Rashomon, que se projetava em diagonal,
sustentando nuvens pesadas e sombrias.
Quando se tenta resolver uma questão insolúvel, não
há tempo para escolher os meios. Se demorasse muito na escolha, o servo
certamente terminaria morrendo de fome ao pé de um muro de barro ou à beira de
uma estrada. E certamente seria trazido até o Portal e abandonado como um cão.
“Se não escolher. . . ” Seu pensamento, depois de muitos rodeios, finalmente
empacou nesse ponto. Entretanto, esse “se” continua sendo, afinal de contas, o
mesmo “se”. Mesmo admitindo não haver escolha de meios, ele não tinha coragem suficiente
para aceitar de forma positiva a resposta inevitável à questão: “A única saída
é tornar-me ladrão”.
Depois de um forte espirro, o servo se ergueu
preguiçosamente. Em Quioto, onde as tardes são frias, a temperatura já baixara
a ponto de fazê-lo ansiar por um braseiro. Na escuridão, o vento soprava
implacável por entre as colunas do Portal. Até o grilo pousado na coluna
laqueada de alaranjado já havia desaparecido.
Encolhendo-se todo e erguendo a gola da vestimenta
azul-escura que envergava sobre a roupa amarela, correu os olhos em volta do
Portal. Procurava um lugar onde pudesse passar a noite tranquilamente, longe de
olhares estranhos e sob a proteção do vento e da chuva. Então, por sorte,
descobriu uma escada larga, também laqueada de alaranjado, que conduzia a uma
galeria sobre o Rashomon. Lá em cima, o máximo que ele poderia encontrar
seriam cadáveres. O servo, assim, cuidando para que a espada presa à sua
cintura não se soltasse da bainha, pousou no primeiro degrau o pé calçado de sandália
de palha.
Subiu então, daí a alguns minutos, a meia altura da
ampla escada que conduzia à galeria do Rashomon. Um homem, o corpo encolhido
como um gato, sustando a respiração, espreitava o que se passava ali em cima. A
luz que vinha da galeria tocava levemente sua face direita. Era uma face com uma
espinha vermelha e purulenta em meio a uma barba rala. O servo, desde o início,
tinha a certeza de que ali no alto só haveria cadáveres. Todavia, depois de
subir dois ou três degraus, pareceu-lhe notar uma sombra que se movimentava.
Logo isso se confirmou, pois uma claridade turva e amarelada se refletia,
oscilante, nos vãos do teto cobertos de teias de aranha. Não podia tratar-se
apenas de uma pessoa comum que, numa noite de chuva como aquela, portasse um
luzeiro no interior de uma galeria como aquela do Rashomon.
Abafando seus passos como uma lagartixa, o servo
finalmente atingiu o ultimo degrau da difícil escada. E então, com o corpo mais
retesado possível, alongando o pescoço o mais que podia, ele perscrutou,
transfigurado de medo, o interior da galeria.
De fato, conforme ouvira dizer, alguns cadáveres
achavam-se jogados, desordenadamente, no seu interior. Mas, sendo o campo de
luz mais limitado do que supunha, não conseguia precisar quantos. Ele somente
podia distinguir, sob a fraca luminosidade, alguns corpos nus e outros ainda
vestidos. Entre eles, parecia haver tanto homens quanto mulheres. E todos
aqueles cadáveres jaziam sobre o assoalho, como bonecos de barro, as bocas
abertas, os braços estirados, fazendo até duvidar que um dia tivessem sido
humanos. Além do mais, à luz das chamas que iluminavam as partes salientes,
como ombros e bustos, as outras partes pareciam ainda mais escuras. Os corpos
conservavam-se mudos, para sempre calados.
O servo tapou instintivamente o nariz ao perceber o
odor pútrido. Mas já no instante seguinte se esquecia de cobri-lo. Uma emoção
mais forte anulou por completo seu olfato.
Pois só então seus olhos distinguiram um ser humano,
agachado em meio aos cadáveres. Era uma velha de aparência simiesca, os cabelos
brancos, magra, baixa, vestida de ocre. Tendo na mão direita uma tocha de
pinho, observava, detidamente, o rosto de um dos cadáveres. Pelos cabelos
compridos, supunha-se que fosse um cadáver de mulher.
Tomado de sessenta por cento de terror e quarenta de curiosidade,
o servo, por alguns instantes, até se esqueceu de respirar. Arrepiou-se e,
para empregar a expressão de um antigo cronista, sentiu que “até os pelos do
corpo haviam ficado mais espessos”. Nisso, a velha prendeu a tocha de pinho
numa fresta do assoalho e, erguendo com as duas mãos o pescoço do cadáver que
até então examinava, começou a arrancar um a um os longos fios de cabelo,
exatamente como uma macaca catando piolhos do filhote. Os cabelos pareciam
soltar-se facilmente ao movimento de suas mãos.
À medida em que os fios iam sendo arrancados, o terror
que assaltara o servo foi desaparecendo aos poucos. E, ao mesmo tempo, foi
crescendo, pouco a pouco, um forte ódio contra aquela velha. Não, não seria
exato dizer “contra a velha”. Na verdade, o que a cada minuto se tornava mais
forte era uma repulsa contra todos os males. Se naquele instante alguém lhe
propusesse, outra vez, o dilema que antes o atormentara – morrer de fome ou
tornar-se ladrão –, não hesitaria mais em escolher a morte pela fome. Pois seu ódio
ao mal começava a se inflamar mais e mais, como a tocha fincada pela velha no
assoalho.
O servo não compreendia por que a velha arrancava os
cabelos dos cadáveres. Por conseguinte, não tinha condições de julgar segundo a
razão a moralidade daquele ato. Entretanto, para ele, o simples fato de
arrancar cabelos de cadáveres, numa noite de chuva como aquela, num lugar como
aquele, já constituía um mal imperdoável. Obviamente, o servo já nem recordava
que, havia poucos minutos, tencionava tornar-se ladrão.
Nesse instante, num movimento brusco, o servo pulou
para dentro da galeria. E, com a mão na espada, aproximou-se da velha a passos
largos. O autor nem precisa dizer o susto que ela levou.
Ao ver o servo, ela pulou, como uma pedra lançada por
uma catapulta.
– Ei! Aonde vai? – vociferou o servo, barrando o caminho
da velha, que procurava fugir, afobada, tropeçando entre os cadáveres.
Mas, mesmo barrada, ela o empurrou, tentando escapar.
Ele, por sua vez, para impedi-la de fugir, também a empurrou. Por um momento os
dois se engalfinharam, mudos, em meio aos cadáveres. Mas o resultado era previsível.
O servo, torcendo-lhe o braço, terminou por derrubá-la. Quais pés de galinha,
seus braços eram somente pele e osso.
– O que estava fazendo? Diga! Senão. . .
O servo atirou-a ao chão e, desembainhando a espada,
apontou a lâmina de aço branca bem no meio de seus olhos. Entretanto, a velha
se conservava calada. Com as mãos trêmulas, a respiração ofegante e os olhos
esbugalhados – a ponto de lhe saltarem os globos oculares para fora das órbitas
–, obstinava-se em permanecer calada. Vendo-a assim, só então o servo percebeu
claramente que aquela vida se encontrava totalmente em suas mãos, e tal consciência
acabou por arrefecer o ódio que até então lhe inflamava o peito. Sentiu a satisfação
e a confiança de quem executa um trabalho bem-sucedido. Assim, olhando a velha
de cima, abrandou a voz.
– Não me tome por agente da polícia. Sou apenas
um viajante que, por acaso, passava por
esse Portal. Por isso, não vou prendê-la nem incomodá-la. Basta que me conte
o que estava fazendo na galeria numa hora dessas.
Nisso, a velha arregalou ainda mais os olhos e fixou-
os no servo. Encarava-o com um olhar penetrante, as pálpebras vermelhas como as
de aves de rapina. E a seguir, como se estivesse mastigando, moveu uns lábios
que quase se confundiam com o nariz devido ao número de rugas. Em seu pescoço descarnado
notava-se um pontiagudo pomo-de-adão que se agitava. Foi naquele instante que
uma voz grasnada, como a de um corvo, se fez ouvir num arquejo:
– Estou arrancando estes cabelos, sabe?. . . Estes
cabelos. . . pensando em fazer perucas. . .
O servo ficou desapontado com a resposta, inesperadamente
banal. E, com o desapontamento, sentiu retornar ao seu íntimo o ódio anterior,
mas dessa vez acrescido de frio desprezo. A mudança de ânimo foi notada pela
velha, que, ainda segurando os cabelos compridos que arrancara do cadáver,
gaguejou, como se coaxasse baixinho:
– Pois é... Arrancar cabelos dos cadáveres pode ser
errado. Mas todos os mortos que estão aqui, sem exceção, bem o merecem. Essa
mulher, por exemplo, de quem arranquei os cabelos, costumava vender cobra seca
por peixe seco nas guaritas dos vigias do Palácio. Ela cortava as cobras em pedaços
de meio palmo e as secava. Se não tivesse morrido na epidemia, certamente ainda
estaria fazendo a mesma coisa. E note que os guardas achavam os peixes muitos
saborosos e sempre compravam dela. Para mim, o que ela fazia não era ruim. Não
tinha outro jeito, senão morreria de
fome. Não acho tampouco que eu esteja agindo errado. Eu também morreria de
fome, não tenho escolha. Por conseguinte, essa mulher, que sabia muito bem
disso, sem duvida há de me perdoar.
Foi aproximadamente isso o que a velha disse. O servo
ouviu com indiferença a história da velha, conservando a mão esquerda no punho
da espada já embainhada. Enquanto ouvia, sua mão direita apalpava a grande espinha
vermelha e purulenta que o incomodava. E, aos poucos, lhe brotava certa coragem
que, antes, quando estava debaixo do Portal, lhe fizera falta. Era uma coragem
que crescia numa direção oposta àquela do momento em que agarrara a velha, ao
subir à galeria. O servo não hesitava mais entre morrer de fome ou tornar-se ladrão.
Nesse momento, morrer de fome nem passava por sua cabeça; era uma alternativa
que lhe fugira por completo à consciência.
– É isso mesmo! – disse o servo em tom de escárnio ao
ouvir o fim do relato da velha. Adiantando-se um passo, subitamente afastou a mão
direita da espinha, agarrou a mulher pela gola e vociferou: – Se é assim, não
me leve a mal se eu roubá-la. Se eu não fizer isso, também o meu corpo irá
morrer de fome.
Rapidamente, tirou-lhe as roupas. Depois, chutou com violência
aquela velha que se agarrava a seus pés e a derrubou sobre os cadáveres. Estava
apenas a cinco passos da saída. Carregando a roupa de cor ocre sob o braço,
precipitou-se escada abaixo rumo a uma noite profunda.
A velha, como que morta por alguns instantes, ergueu o
corpo nu somente um tempo depois por entre os cadáveres. Numa voz quase um murmúrio,
quase um gemido, ela, guiando-se pela claridade do fogo que ainda ardia no
pinho, arrastou-se até a escada. E então, a cabeça pendida para frente, os
cabelos brancos e ralos suspensos, espiou para baixo do Portal. Lá fora,
apenas a escuridão das cavernas a envolver a noite.
O paradeiro do servo ninguém jamais soube.
Setembro de 1915
Depois
do Bosque
Ryunosoke Akutagawa
DEPOIMENTO DE UM LENHADOR INTERROGADO PELO ALTO
COMISSÁRIO DE POLÍCIA
Sim, Senhor Comissário,
é verdade.
Quem encontrou o cadáver fui eu mesmo. Nesta manhã,
como de costume, fui cortar cedro na montanha do outro lado. Nisso, encontrei
aquele cadáver dentro do bosque, no sopé da montanha – onde foi exatamente que
o encontrei? A cerca de quinhentos metros da estrada de Yamashina. Num lugar
ermo, onde cedros finos se misturam aos bambus.
O cadáver estava deitado de costas, vestia um quimono
de seda azul e trazia um chapéu pregueado à moda da Capital. Via-se um só
golpe de espada, mas, como era muito profundo e estava bem no meio do peito, as
folhas secas de bambu ao redor do cadáver pareciam tingidas de vermelho.
Não, Senhor Comissário, não corria mais sangue.
Pareceu-me que a ferida havia secado. Lembro-me bem de que havia uma mosca que
lambia o sangue, e que nem deu mostras de perceber meus passos.
Pergunta-me o senhor se não vi uma espada ou outra
coisa qualquer? Não, senhor, não havia nada. Só um pedaço de corda jogado ao pé
do cedro. Depois. . . Ah, ia-me esquecendo! Além da corda, havia um pente. Foi
tudo o que encontrei à volta do corpo. Mas, como as plantas e as folhas de
bambu caídas ao redor do cadáver estavam muito pisadas, não há dúvida de que o
homem, antes de ser assassinado, resistiu bravamente.
Como? Se eu não vi nenhum cavalo? É um lugar inacessível
a cavalos. Há uma mata densa separando o local do caminho por onde eles
passam.
DEPOIMENTO DE UM MONGE BUDISTA PEREGRINO INTERROGADO
PELO ALTO COMISSÁRIO DE POLÍCIA
Tenho certeza de que ontem vi este homem cujo cadáver
os senhores encontraram hoje. Ontem, por volta do meio-dia, creio eu. Foi a
meio caminho entre Sekiyama e Yamashina. Ele vinha a pé no rumo de Sekiyama,
acompanhando uma mulher a cavalo. Não podia ver o rosto dela, pois seu chapéu
era provido de um longo véu. Tudo o que pude divisar foi a cor de suas vestes: púrpura
sobre azul.
Quanto ao cavalo, parecia ser um alazão de crina aparada.
Qual a altura do animal? Teria cerca de um metro e
trinta centímetros? Como sou monge, não saberia dizer.
E o homem? Sim, além da espada, também portava arco e
flechas. Ainda agora me lembro muito bem de ter visto cerca de vinte flechas em
sua aljava laqueada de preto.
Nem em sonhos imaginei o destino que o esperava.
Realmente, a vida humana é mesmo frágil como o
orvalho da manhã e breve como um clarão de luz. . .
Pois é, nem encontro palavras para expressar o quanto
o lastimo...
DEPOIMENTO DO POLICIAL ENCARREGADO PELO ALTO
COMISSÁRIO DE POLÍCIA
O homem que eu prendi? Não há dúvida de que é o
conhecido ladrão Tajômaru. Quando o prendi, na ponte de pedra de Awataguchi,
acho que tinha caído do cavalo, pois estava gemendo de dor.
Que horas eram? Foi logo no começo da noite. Dias atrás,
quando tentei prendê-lo, mas não consegui, ele vestia a mesma roupa
azul-escura e trazia a mesma espada ornada de detalhes metálicos. Como o senhor
agora bem pode ver, também portava arco e flechas.
É mesmo? Aquele homem também possuía arco e flechas
antes de ser morto? Então não há dúvidas de que o assassino é Tajômaru. Arco
revestido de couro, aljava laqueada de preto, dezessete flechas com penas de falcão.
. . tudo, então, deve pertencer àquele homem!
Sim, como diz o senhor, o cavalo também é um alazão
com a crina aparada. O ladrão deve ter sido derrubado pelo animal por castigo
divino. O cavalo pastava pouco adiante da ponte, a rédea comprida arrastando no
chão. Esse tal de Tajômaru, de todos os ladrões que rondam a Capital, é o que
mais persegue mulheres. No outono passado, na montanha que fica atrás do templo
Toribe, foi encontrada uma dama da corte, morta, que possivelmente fora rezar
pela cura de alguém, juntamente com uma jovem servente. Suspeita-se que tenha
sido esse indivíduo.
Se for esse bandido aí quem matou aquele homem, vá se
saber também o que fez com a mulher que montava o alazão. . .
Por favor, Senhor Comissário, não é da minha alçada,
mas peço-lhe que seja investigada essa questão.
DEPOIMENTO DE UMA VELHA INTERROGADA PELO ALTO
COMISSÁRIO DE POLÍCIA
Sim, senhor. Aquele é o cadáver do homem com quem
casei minha filha. Ele não era da Capital. Era um samurai do governo da província
de Wakasa. Chamava- se Kanazawano Takehiro e tinha vinte e seis anos de idade.
Não, senhor. Como era muito gentil, jamais provocaria
a ira de alguém.
Minha filha? Ela se chama Masago, tem dezenove anos.
Sua personalidade é tão forte como a de qualquer homem; no entanto, até agora
sempre foi fiel a Takehiro. Seu rosto é pequeno e oval, tem uma pele amorenada
e uma pinta no canto do olho esquerdo.
Takehiro partiu ontem para Wakasa em companhia de
minha filha. Mas que infelicidade! Quem poderia imaginar uma coisa dessas? O
que teria acontecido à minha filha? Quanto a meu genro, até posso me
conformar; no entanto, só de pensar nela, fico doente.
Suplico-lhe, é o único desejo desta velha: descubra o
paradeiro da minha filha, nem que para isso seja preciso revirar montanhas e
matas. Custe o que custar, encontre-a! Esse ladrão, como é mesmo que se chama?
Tajômaru. . . Como o odeio! Não somente o meu genro,
mas também a minha filha. . .
mas também a minha filha. . .
(Lágrimas sufocam suas ultimas palavras.)
CONFISSAO DE TAJÔMARU
Sim, fui eu quem matou aquele homem. Mas a mulher,
não.
Então, onde ela está? Isso, nem eu sei.
Ei, esperem! Nenhuma tortura pode me fazer dizer o que
não sei! Além do mais, nessas condições, não pretendo esconder-lhes nenhum
segredo à toa. Ontem, pouco depois do meio-dia, deparei-me com o casal. Naquele
momento, com o sopro do vento, o véu se ergueu e pude ver, por breves segundos,
o rosto da mulher. Por alguns segundos – foi um vislumbre, apenas isso. Pode
ter sido por causa da brevidade da visão, mas o rosto dela apareceu perante mim
como se fosse um Boddhisatva mulher. Foi naquele instante que decidi
possuí-la, mesmo que tivesse de matar-lhe o marido.
Bah, matar um homem não é lá grande coisa, como vocês
pensam. De qualquer forma, para tomar uma mulher, sempre é preciso matar o
homem. A diferença é que, quando eu mato, uso a espada que trago à cintura,
mas vocês, não. Vocês não se utilizam da espada, matam apenas com o seu poder,
matam com o seu ouro. Às vezes matam somente com palavras, a pretexto de o
fazerem para o próprio bem deles. É verdade que não corre sangue, que os
homens continuam vivendo, mas, mesmo as- sim, vocês os mataram. Se pensarmos na
gravidade dos crimes, não saberia dizer
quem de nós, vocês ou eu, seria o pior. (Sorriso irônico.) Mas, se eu pudesse
tomar a mulher sem matar o marido, tanto melhor. Aliás, meu estado de espírito,
naquela hora, era o de possuir a mulher e, se possível, não matar o homem.
Entretanto, fazer uma coisa dessas na estrada de Yamashina era realmente impossível.
Por isso armei um plano para fazer o casal acompanhar-me montanha adentro.
Não foi nada difícil. Fazendo-me seu companheiro de
viagem, contei-lhes que havia túmulos antigos na montanha do outro lado e que,
ao explorar aquelas sepulturas, tinha encontrado espelhos de metal e espadas em
grande quantidade. Disse-lhes ainda que os havia escondido, enterrando-os
dentro do bosque, à sombra da montanha, e que, se houvesse interessados, faria
um bom preço. O homem, pouco a pouco, foi sendo atraído pela minha conversa. E
depois... – a cobiça é uma coisa terrível, não acham? – e depois, em menos de
meia hora, aquele casal já conduzia o cavalo rumo à montanha, junto comigo.
Chegando em frente ao bosque, disse-lhes que o tesouro estava enterrado lá
dentro e os convidei a verificá-lo. O homem, cego pela cobiça, nem titubeou.
Mas a mulher preferiu esperar, sem descer do cavalo. Não sem razão, já que
aquele bosque era muito fechado. E, para dizer a verdade, as coisas caminhavam
como eu queria; penetramos no bosque, deixando a mulher sozinha. Por um trecho,
só havia bambus no bosque. Cerca de cinquenta metros adiante, porem, havia uma
clareira entre os cedros. . . Não haveria lugar melhor que aquele para executar
meu plano. Abrindo caminho pela mata, preguei-lhe a mentira – bastante plausível
– de que o tesouro estava enterrado sob os cedros. Mal lhe disse isso e o homem
se lançou em direção aos troncos finos dos cedros, que dali se enxergava. Os
bambus rareavam, alguns cedros já se enfileiravam – e foi justo nesse local
que, brusca- mente, eu o derrubei e dominei. Como o homem portava uma espada,
poderia ser muito perigoso, mas, apanhado de surpresa, não teve como resistir.
Num segundo, estava amarrado ao pé́ de um cedro.
A corda? Sendo ladrão, sempre trago uma à cintura,
pois sabe-se lá quando terei de escalar algum muro. Afora encher sua boca de
folhas secas de bambu para impedi-lo de gritar, não tive nenhum trabalho. Terminada
a primeira parte, fui ter com a mulher e lhe disse para vir comigo ver o
marido, que passava mal. Nem preciso lhes dizer do sucesso do meu plano. Com chapéu
na mão, a mulher foi penetrando no interior do bosque, comigo a conduzi-la pela
mão. Mas, ao chegar ao local onde o homem estava amarrado ao pé de cedro – a
mulher, mal percebeu a cena, fez reluzir num átimo um punhal que havia retirado
de sua roupa, sem que eu o notasse. Nunca antes havia encontrado uma mulher de
temperamento tão violento. Bem, mesmo me esquivando rapidamente, era difícil
evitar os golpes ante uma investida tão feroz. Porém, como sou o famoso
Tajômaru, finalmente derrubei o seu punhal sem precisar sequer desembainhar a
espada. Por mais decidida que fosse, desarmada, ela nada poderia fazer. Assim,
finalmente consegui possuir a mulher sem tirar a vida do homem.
Sem tirar a vida do homem – é isso mesmo. Eu não
tinha mesmo intenção de matá-lo. Acontece que, quando eu já ia fugindo do
bosque, deixando atrás a mulher em prantos, de repente ela agarrou-me o braço,
desesperada. Com gritos entrecortados de soluços, ela dizia: “Morra você ou o
meu marido, morra um dos dois; expor a própria desonra a dois homens é pior do
que a morte!” E dizia ainda, ofegante, que se uniria àquele que sobrevivesse.
Foi nesse momento que me tomou um violento desejo de matar o homem. (Comoção lúgubre.)
Ouvindo-me falar assim, sem dúvida devo lhes parecer
mais cruel do que vocês. Mas isso é porque vocês não viram o rosto daquela
mulher. Principalmente porque não viram o ardor que brilhava em seus olhos naquele
instante. Quando olhei para aqueles olhos, quis tê-la como esposa, mesmo que
tivesse de ser fulminado por um raio. Esposá-la – era tudo o que eu queria
naquele momento. Não era por nenhum desejo vil e licencioso, como podem vocês
acreditar. Se tudo o que eu sentisse fosse um desejo físico, certamente me
contentaria em dar-lhe um pontapé́ e fugir. E minha espada não se teria
manchado com o sangue do homem. Mas, no momento em que fixei o olhar naquele
rosto, tomei a decisão de não partir dali sem antes matar o seu marido.
Entretanto, mesmo que tivesse de matá-lo, não queria
fazê-lo de forma injusta. Desamarrei-lhe a corda e então lhe disse para
lutarmos de igual para igual. (A corda que estava caída ao pé do cedro era
aquela que eu tinha jogado e esquecido ali.) Com a expressão alterada, o homem
desembainhou sua grossa espada e, sem dizer uma palavra, avançou em minha direção,
cheio de rancor.
Bem, não há necessidade de lhes contar o fim da luta.
Minha espada lhe atravessou o peito no vigésimo terceiro golpe. No vigésimo terceiro
golpe! Não se esqueçam disso. . . Porque essa façanha ainda hoje me
impressiona.
Foi o único adversário em toda a minha vida a resistir
a mais de vinte golpes. (Sorriso satisfeito.)
Assim que o homem tombou, voltei-me para a mulher,
ainda segurando a espada ensanguentada.
Nisso, o que tinha acontecido? Não é que ela tinha desaparecido?
Andei por entre os cedros para ver por onde fugira. Mas não encontrei nenhum vestígio
dela sobre as folhas secas de bambu. Mesmo aguçando o ouvido, só pude
distinguir os últimos gemidos do homem que agonizava. Pode ser que, enquanto trocávamos
golpes de espada, ela tenha fugido pelo bosque para pedir socorro. Se tivesse
sido assim, minha vida é que estaria em perigo, e então, apoderando-me da
espada, do arco e das flechas, logo voltei à estrada que percorria antes. Ali,
o cavalo da mulher ainda pastava calmamente.
O que aconteceu depois não tem nenhuma importância no
caso. O único detalhe é que, antes de entrar na Capital, desfiz-me da espada.
Minha confissão termina aqui. Já que, cedo ou tarde,
terei a cabeça cortada e exposta nos galhos das árvores, então me condenem à
pena máxima! (Atitude desafiadora.)
CONFISSAO DA MULHER QUE SE ABRIGOU NO TEMPLO KIYOMIZU
Esse homem de
quimono curto azul-escuro, após haver-me violentado, riu-se com sarcasmo,
enquanto observava meu marido que estava amarrado. Como o meu marido deve ter
se sentido humilhado! Mas, quanto mais se debatia, mais a corda que o amarrava
lhe penetrava dolorosamente a carne.
Instintivamente, corri, cambaleando, em sua direção.
Ou melhor, tentei correr. Mas o homem, num rápido gesto, me derrubou com um
chute. Foi naquele exato instante que percebi nos olhos de meu marido um brilho
muito estranho. Realmente estranho. . . Ainda agora, quando me lembro daquele
olhar, tremo de pavor. Não podendo emitir um único som, meu marido transmitiu
somente naquele breve olhar todos os seus sentimentos. Mas o que então
relampejou não era nem ira nem tristeza... – não é que foi um gélido brilho de
desprezo? Atingida mais pela expressão daqueles olhos do que pela brutalidade
do pontapé́ que aquele homem me deu, gritei alguma coisa, sem querer, e
desmaiei.
Algum tempo se passou até que recuperei os senti-
dos, mas nessa hora o homem de quimono azul-escuro havia desaparecido. Vi
somente meu marido amarrado no tronco de cedro. Levantando-me com dificuldade
em meio às folhas de bambu, fixei-lhe os olhos no rosto. Mas seu olhar
continuava exatamente o mesmo. No fundo daquele desprezo gélido, havia também ódio.
Vergonha? Tristeza? Raiva? Nem sei como exprimir o sentimento que passou por
minha alma naquele momento. Ergui-me quase sem forças e dirigi-me a meu marido:
– Meu marido, não posso mais viver com você depois de
tudo o que aconteceu. Estou decidida a me matar. Mas... por favor, morra junto também.
Você testemunhou a minha vergonha. Não posso permitir que continue vivendo após
a minha morte.
Isso foi tudo o que consegui dizer. E, no entanto, ele
continuava a me olhar com repulsa. Com o coração partido de dor, passei a
procurar sua espada. Entretanto, não encontrei no bosque nem espada nem arco e
flechas; o assaltante devia ter levado tudo. Ainda bem que, pelo menos, pude
encontrar o punhal, caído no chão. Levantando-o sobre a cabeça, disse uma vez
mais a meu marido:
– Então, deixe-me tomar agora a sua vida. Eu o acompanharei
imediatamente.
Quando ele ouviu essas palavras, mexeu os lábios com
dificuldade. Como sua boca estava cheia de folhas, não podia ouvir a sua voz.
Mas, num olhar, entendi o que ele queria dizer. Ainda com a mesma expressão de
desprezo, balbuciou apenas uma palavra: “Mate-me!”. Como em meio a um sonho,
cravei-lhe fundo o punhal no peito, que atravessou o quimono de caça de seda
azul clara.
Devo então ter perdido novamente os sentidos. Quando
voltei a mim, meu marido, ainda amarrado, estava morto havia muito. Através da
mistura de galhos de bambu e cedros, o sol poente deixava vagar um raio de luz
sobre o seu rosto lívido. Sufocando os soluços, desamarrei a corda do cadáver.
Depois. . . O
que aconteceu? Quanto a isso, já não tenho mais forças para relatar. Enfim,
faltou-me coragem para me matar. Feri-me na garganta com o punhal, joguei-me no
lago ao pé da montanha, tentei vários meios, mas, uma vez que ainda estou viva,
não vejo de que me orgulhar. (Sorriso melancólico.)
Mesmo o misericordioso Boddhisatva Kannon[2]
deve ter me abandonado, tão covarde que sou!
Mas eu, que matei meu próprio marido, que fui violentada,
o que devo fazer? O que posso eu... posso... (Soluços repentinos e violentos.)
NARRATIVA DO MORTO TRANSMITIDA POR UM MÉDIUM
“Após violentar minha esposa, o assaltante, sentando-se
ali mesmo, pôs-se a confortá-la de várias formas. Naturalmente, eu não podia
falar. Além disso, meu corpo estava amarrado ao pé de cedro. Entretanto,
lancei-lhe várias vezes uns sinais com os olhos. ‘Não acredite nas palavras
dele. Tudo o que ele disser será mentira.’ Era isso o que eu lhe queria
transmitir. Mas minha esposa, sentada em desalento sobre as folhas secas de
bambu, tinha os olhos fixados nos joelhos. E não é que ela parecia estar
absorvendo as palavras do ladrão? Eu me contorcia de ciúmes. Mas o ladrão
continuava a conversa, com muita habilidade, passando de um argumento a outro.
Chegou até a fazer essa proposta atrevida: ‘Quando a mulher tem o corpo
desonrado, nem que seja uma única vez,
as relações com o marido nunca mais podem ser as mesmas. Em vez de continuar
com seu marido, que tal ser minha esposa? Toda a minha ousadia nasceu do amor que
você me inspirou’. Ao ouvir aquelas palavras, minha esposa ergueu a cabeça,
extasiada. Nunca vi minha mulher tão bela como naquele instante! Mas o que
minha linda esposa respondeu ao ladrão, diante de mim, ainda amarrado? Mesmo
vagando no limbo, toda vez que me lembrava de suas palavras, me inflamava de ódio.
Minha mulher respondeu-lhe claramente:
– Então, leve-me para onde você for. (Longo silêncio.)
Esse não foi o único mal que ela cometeu. Se tivesse
sido apenas isso, eu não estaria sofrendo tanto nesta escuridão. Quando,
conduzida pela mão do ladrão, como num sonho, ia saindo do bosque, ela de
repente empalideceu e apontou para mim, ainda amarrado ao pé do cedro.
– Mate este homem! Se ele continuar vivo, não poderei
viver com você!
Minha esposa, como se tivesse enlouquecido, gritou várias
vezes:
– Mate este homem!
Tais palavras, como um turbilhão, ainda agora ameaçam
fazer-me despencar no abismo sem fundo da escuridão. Será que alguma vez
palavras tão abomináveis já saíram da boca de algum ser humano? Será que alguma
vez palavras assim malditas já chegaram a ouvidos humanos? Será que alguma
vez. . . (Riso súbito de escárnio.) Ao ouvir essas palavras, até mesmo o ladrão
empalideceu.
– Mate este homem! – assim gritando, ela lhe agarrava
o braço.
O ladrão, com os olhos fixos em minha esposa, não
respondia sim nem não. No instante seguinte, derrubada por um violento pontapé,
ela já estava caída entre as folhas de bambu. (Novo riso de escarnio.) O ladrão,
cruzando calmamente os braços, voltou-se para mim:
– O que você quer que eu faça com ela? Mato-a ou
deixo-a ir?... Basta responder movendo a cabeça. Mato-a?
Bastariam essas palavras para que eu perdoasse o assaltante.
(Outra vez, longo silêncio.) Fiquei hesitante por um tempo, e, enquanto isso,
minha esposa gritou e saiu a correr para as profundezas do bosque. O ladrão foi
em sua direção, mas não conseguiu agarrar-lhe sequer a manga. Como num sonho,
eu observava a cena. Depois da fuga de minha esposa, o ladrão apanhou minha espada,
arco e flechas e cortou um ponto apenas da corda que me amarrava. Lembro-me
ainda de seu murmúrio ao sair do bosque e desaparecer:
– Agora, vou é tratar da minha pele. . .
Depois, tudo foi silêncio... Não, ainda se ouvia o
choro de alguém. Livrando-me da corda, apurei o ouvido. Mas, não, era eu mesmo
que estava a chorar. . . (Pela terceira vez, um longo silêncio.)
Levantei o corpo, exausto, com dificuldade. À minha
frente, brilhava o punhal que minha esposa deixara cair. Tomando-o nas mãos,
cravei-o de um só golpe no peito. Subiu-me à garganta um jorro de sangue acre.
Não sentia, entretanto, dor alguma. Quando meu corpo esfriou, o silencio em
volta se tornou mais profundo. Ah, que silêncio! Nem um único pássaro se ouvia
no céu daquele bosque à sombra das montanhas. Por entre os bambus e cedros,
havia somente um solitário raio de sol que ainda vagava. Aquele raio ia
tornando-se cada vez mais tênue. . . Nem enxergava mais os bambus e os cedros.
Senti-me tomado por um profundo silêncio. Nesse momento, ouvi passos furtivos
de alguém se aproximando. Tentei ver quem era. Mas a escuridão já me envolvia. Alguém
– esse alguém, com uma mão invisível, retirou cuidadosamente o punhal do meu
peito. Com isso, mais uma vez o sangue aflorou à minha boca. Depois disso,
mergulhei na escuridão eterna do limbo. . .
Dezembro de 1921
[1] Rashomon: nome do Portal que, na era Heian (794-1192),
se situava na entrada principal da milenar Capital, atual cidade de Quioto,
hoje equivalente à região em que se encontra a Estação Central.
[2] No budismo japonês, o Boddhisatva da
infinita compaixão e misericórdia, que equivale a Avalokitesvara e que, não
raro, é representado com formas femininas.
Gostei imenso desse conto e do blog como um todo. De utilidade escriba!
ResponderExcluirGrata Marcelo Antinori.
Abraço