William Sydney Porter (1862-191), escritor norte-americano de contos, conhecido
pelo seu pseudônimo O. Henry. Suas historias sempre trazem interessantes surpresas ao final e seu conto “O Presente dos Reis Magos”, publicado em 1905, tem presença constante em
todas as listas de grandes contos norte-americanos.
O presente dos reis magos
O. Henry
Um dólar e oitenta e sete centavos. Era tudo. E
sessenta centavos eram em moedas. Moedas economizadas uma a uma, pechinchando
com o dono do armazém, o dono da quitanda, o açougueiro, até o rosto arder
à muda acusação de parcimônia que tais pechinchas implicavam. Três vezes
Della contou o dinheiro. Um dólar e oitenta e sete centavos. E no dia seguinte
seria Natal.
Não havia evidentemente mais nada a fazer senão
atirar-se ao pequeno sofá puído e chorar. Foi o que Della fez. O que leva
à reflexão moral de que a vida é feita de soluços, fungadelas e sorrisos,
com predomínio das fungadelas.
Della terminou de chorar e cuidou do rosto com a
esponja de pó. Postou-se junto à janela e ficou a contemplar
melancolicamente um gato cinzento caminhando sobre uma cerca cinzenta num
quintal cinzento. Amanhã seria Dia de Natal e ela tinha apenas um dólar e
oitenta e sete centavos para comprar o presente de Jim. Estivera a economizar tostão por
tostão havia meses, e esse era o resultado. As despesas tinham sido maiores do
que calculara. Sempre são. Apenas um dólar e oitenta e sete centavos para
comprar o presente de Jim. O seu Jim. Muitas horas felizes passara ela
planejando comprar-lhe alguma coisa bonita. Alguma coisa fina, rara, legítima.
Algo que estivesse bem perto de merecer a honra de ser possuída por Jim.
Subitamente, afastou-se da janela e postou-se diante
de um espelho. Seus olhos estavam brilhantes mas sua face perdeu a cor ao cabo
de vinte segundos. Num gesto rápido, soltou o cabelo e deixou desdobrar-se em
toda a sua extensão.
Ora, os James Dillingham Youngs tinham dois haveres de
que muito se orgulhavam. Um era o relógio de ouro de Jim, que pertencera a seu
pai e a seu avó. O outro era o cabelo de Della.
O cabelo de Della, pois, caiu-lhe pelas costas,
ondulando e brilhando como uma cascata de águas castanhas. Chegava-lhe abaixo
do joelho e quase lhe servia de manto. Ela então o prendeu de novo, célere e
nervosamente. A certo momento, deteve-se e permaneceu imóvel, enquanto uma ou
duas lágrimas caíam sobre o puído tapete vermelho.
Vestiu o velho casaco marrom; pôs o velho chapéu marrom.
Desceu rapidamente a escada que levava à rua. Parou onde havia um letreiro
anunciando: “Mme. Sofronie, Artigos de Toda Espécie para Cabelos”. Della subiu
a correr um lance de escada e se deteve no alto, arquejante para recompor-se.
Madame, corpulenta, alva demais, fria.
– Quer comprar meu cabelo? – perguntou Della.
– Eu compro cabelo – disse Madame. – Tire o chapéu e
vamos dar uma olhada no seu.
Despenhou-se, ondulante, a cascata de águas castanhas.
– Vinte dólares – ofereceu Madame, erguendo a massa
com mão prática.
– Dê-me o dinheiro depressa – pediu Della.
Oh, as duas horas seguintes voaram com asas róseas.
Della se pôs a vasculhar as lojas à procura de um presente para Jim.
Encontrou-o por fim. Fora feito para ele e para
ninguém mais. Nada havia que se lhe parecesse nas outras lojas, e ela as
revirara de alto a baixo. Era uma corrente de platina, curta, simples e de
modelo discreto, proclamando adequadamente seu valor por sua mesma substância e
não por qualquer ornamentação espúria. Era digna até do relógio. Tão logo a
viu, soube que tinha de ser de Jim. Era como ele. Serenidade e valor, a
descrição se aplicava a ambos. Vinte e um dólares cobraram-lhe por ela, e Della
correu para casa com os oitenta e sete centavos. Com aquela corrente no
relógio, Jim poderia preocupar-se decentemente com o tempo na frente de
qualquer pessoa. Grande como era o relógio, ele as vezes o consultava meio
envergonhado devido à velha tira de couro que usava em lugar de corrente.
Quando Della chegou em casa, seu embevecimento cedeu
lugar a um pouco de prudência e razão. Pegou os ferros de frisar, acendeu o gás
e pôs-se a reparar os estragos causados pela generosidade acrescida ao amor. O
que sempre é uma tarefa muito árdua, queridos amigos. Uma tarefa gigantesca.
Ao cabo de quarenta minutos, sua cabeça estava coberta
de pequenos caracóis cerrados, que a faziam parecer, admiravelmente, um menino
vadio.
Às sete horas, o café estava preparado e uma frigideira
quente no fogão esperava o momento de fritar as costeletas. Jim nunca se
atrasava. Della dobrou a corrente no côncavo da mão e sentou-se a um canto da
mesa, perto da porta pela qual ele sempre entrava. Ouviu então seus passos no
primeiro lance da escada e empalideceu por um instante.
– Oh, Deus, fazei-o por favor achar-me ainda bonita!
A porta se abriu, Jim entrou e a fechou. Parecia magro
e muito sério. Pobre sujeito, apenas vinte e dois anos e já responsável por uma
família! Precisava de um sobretudo novo e não tinha luvas.
Jim Avançou alguns passos. Seus olhos estavam fitos em
Della e havia neles uma expressão que ela não conseguia ler e que a
aterrorizava. Não era raiva, nem surpresa, nem desaprovação, nem horror; não
era nenhum dos sentimentos para os quais ela estava preparada.
Della esgueirou-se para fora da mesa e se encaminhou
para ele.
– Jim, querido – gritou – não me olhe desse jeito!
Mandei cortar o cabelo e o vendi porque não poderia passar o natal sem dar um
presente a você. Ele crescerá de novo… não se aborreça, por favor. Meu cabelo
cresce terrivelmente depressa. Diga “Feliz Natal!”, Jim, e fiquemos felizes.
Você não sabe que coisa bonita, que belo presente tenho para você.
– Mandou cortar o cabelo? – perguntou Jim a custo, como se não tivesse
ainda compenetrado desse fato patente após o mais árduo esforço mental.
– Cortei-o e vendi-o – disse Della. – Você não
continua a gostar de mim do mesmo jeito, então? Não precisa procurar por meu
cabelo, foi vendido, como lhe disse… vendido, não está mais aqui. À véspera de
Natal, querido. Seja bonzinho comigo, fiz isso por sua causa. Ninguém poderá
jamais avaliar o meu amor por você. Posso fritar as costeletas, Jim?
Emergindo do seu transe, Jim pareceu despertar
rapidamente. Abraçou a sua Della. Os magos trouxeram presentes valiosos, mas
isso não estava entre eles. Esta asserção obscura será esclarecida mais tarde.
Jim tirou um pacote do bolso e atirou-o sobre a mesa.
– Não me interprete mal, Della – disse. – Não acho que haja alguma coisa,
corte de cabelo, raspagem ou xampu, capaz de fazer-me gostar menos da minha
mulherzinha. Mas se você abrir este pacote, poderá ver por que fiquei abalado
no princípio.
Alvos dedos ligeiros desfizeram o atilho e o embrulho.
Ouviu-se então um grito extático de alegria, e depois, ai!, uma súbita mudança
feminina para as lágrimas e os gemidos, que exigiram o imediato emprego de
todos os poderes de consolação do senhor do apartamento.
Pois sobre a mesa jaziam Os Pentes, o jogo de pentes para cabelos que Della
adorara havia muito numa vitrine. Belos pentes, de tartaruga legítima, orlados
de pedraria, da cor exata para combinar com seu lindo cabelo. Eram pentes
caros, ela o sabia, e seu coração se limitara a desejá-los e a suspirar por
eles sem a menor esperança de vir um dia a possuí-los. E agora pertenciam-lhe,
mas as tranças que os anelados enfeites deveriam adornar não mais existiam.
Ela, porém, os apertou contra o peito e, por fim, pode
erguer os olhos nublados, sorrir e dizer:
– Meu cabelo cresce tão depressa, Jim!
Jim ainda não vira o seu belo presente. Ela o estendeu
ansiosamente na palma da mão aberta. O fosco metal precioso parecia brilhar com
o reflexo do seu jubilante e ardente espírito.
– Não é uma beleza, Jim? Vasculhei a cidade toda para
achá-lo. Doravante, você terá de ver as horas uma centena de vezes por dia. Dê-me
o seu relógio. Quero ver como fica nele.
Em lugar de obedecer, Jim deixou-se cair no sofá, pôs
as mãos atrás da cabeça e sorriu:
Della – disse –
vamos por os nossos presentes de Natal de lado e deixá-los por algum tempo. São
lindos demais para poderem ser usados agora. Vendi o relógio para comprar os
seus pentes. Que tal se você fritasse as costeletas agora?
Maravilha de conto.
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