Marguerite Duras (1914 – 1996) escritora francesa nasceu em Saigon nos
tempos em que o Vietnam ainda era a Indochina Francesa. Nunca respeitou as
convenções. Arriscou. O conto destacado esta semana “O trem de Bordeaux” retoma
o mesmo tema de sua grande obra literária “O Amante”: a sensualidade. M. Duras viveu intensamente a guerra e
o pós guerra na Europa com as lutas de liberação das antigas colônias e ainda
que o tema de sua obra seja o amor adolescente, ela apenas obteve reconhecimento
literário aos setenta anos. Como não
encontrei tradução, eu mesmo traduzi este conto que, ainda que pequeno, é extremamente sensual.
O trem de Bordeaux
Marguerite Duras
Eu tinha
dezesseis anos. E naquela idade ainda parecia uma menina. Estava regressando de Saigon em um trem noturno, o trem de Bordeaux, foi depois do amante
chinês, mais ou menos em 1930. Eu estava ali com minha família – meus irmãos e
minha mãe. Creio que haviam duas ou três pessoas mais nos oito assentos do
vagão de terceira classe, e também havia um homem jovem em frente a mim que me
olhava. Parecia ter uns trinta anos. Devia ser verão. Eu sempre trajava estes
vestidos claros das colônias e os pés nus com sandálias. Não tinha sono. Este
homem me fazia perguntas sobre minha família e eu lhe contava como se vivia nas
colônias, as chuvas, o calor, as varandas, a diferença com a França, as
caminhadas pelos bosques e o exame de graduação que iria passar naquele ano,
coisas comuns de uma conversa em um trem, quando se revela a própria historia e
a da família.
De repente, nos
demos conta de que todo mundo dormia. Minha mãe e meus irmãos tinham dormido
bem depressa quando saímos de Bordeaux. Eu falava baixo para não desperta-los.
Se me tivessem ouvido contar as historias da família, teriam me proibido com
gritos e ameaças. Nossa conversa, em sussurros havia adormecido aos outros três
ou quatro passageiros do vagão. Então, este homem e eu éramos os únicos
despertos e foi assim que tudo começou, exatamente ao mesmo momento e intensamente
com um único olhar.
Naquela época
não se falava dessas coisas e especialmente naquelas circunstancias. De repente
não conseguíamos mais conversar. Não podíamos nem mesmo nos olhar e permanecemos
ali prostrados. Fui eu quem disse que deveríamos dormir para não estar cansados
na manhã seguinte. Ele estava próximo à porta e apagou a luz. Entre ele e eu
havia um assento vazio. Eu me aconcheguei, dobrei as pernas e fechei os olhos.
Ouvi quando ele abriu a porta, saiu e voltou com uma manta que estendeu sobre
mim. Abri os olhos para sorrir e agradece. Ele disse: “Durante a noite eles
desligam a calefação e de madrugada faz frio”.
Dormi.
Despertei com
sua mão quente e suave sobre minhas pernas. Deslizando lentamente pelo meu
corpo. Abri os olhos levemente. Percebi que ele olhava atento para os outros no
vagão, tinha medo. Com um movimento bem suave, avancei meu corpo em direção a
ele e o toquei com meus pés. Eu os
entreguei a ele, e ele aceitou. Com os olhos fechados segui cada um de seus
movimentos. A principio eram lentos, depois, cada vez mais pausados e contidos,
até o final, o deixar se levar pelo gozo tão forte, como se tivesse gritado.
Por um longo
período nada aconteceu, apenas o ruído do trem. Parecia ir mais rápido e o
ruído passou a ser ensurdecedor. Depois voltou a ser suportável. Colocou outra
vez sua mão sobre mim. Era selvagem, ainda estava quente, tinha medo. Apertei
com minha mão e a soltei. Deixei ela livre. O ruído do trem voltou a ser forte.
A mão se retirou, ficou longe de mim por um bom tempo, já não me lembro, acho
que dormi.
Ele retornou.
Acariciou meu
corpo inteiro e acariciou meus seios, o ventre, os quadris, com uma espécie de doçura
as vezes interrompida pelo desespero do desejo que retorna. As vezes sua mão parava.
Uma vez sobre o sexo, tremula, disposta a morder ardente outra vez. E logo se ia.
Pensava, raciocinava, se punha amável para dizer adeus à menina. Em torno a
mão, o ruído do trem. Em torno ao trem, a noite. O silencio dos corredores dentro
do ruído do trem. As paradas que despertavam as pessoas. Ele desceu durante a
noite. Quando abri os olhos em Paris, seu assento estava vazio.
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