“O grito” texto de Gabriela
Mistral (1889-1957) escritora chilena, primeira entre todos os latino
americanos a receber o Premio Nobel de Literatura em 1945.
O GRITO
Gabriela Mistral
América, América! Tudo
por ela, pois dela virá nossa desgraça ou nosso bem!
Somos ainda México, Venezuela, Chile, o
asteca-espanhol, o quechua-espanhol, o araucano-espanhol; mas amanhã seremos
América, quando a tristeza nos faça sentir em sua dura queixada a mesma e única
dor e não apenas um anseio.
Professor: ensine em sua aulas o sonho de
Bolívar, o primeiro dos profetas. Crava na alma de teus alunos com o profundo
espeto do convencimento. Divulga a América, de Andres Bello, Domingo Sarmiento,
Victorino Lastarria e José Martí. Não deixe que a Europa te embriague, um embriagar
distante, por ser distante e diferente,
além do que caduco, com uma caduquez, bela mas fatal.
Descreva tua América. Faça com que amem a
radiante meseta mexicana, a verde estepe da Venezuela e a negra selva austral. Diga
tudo de tua américa: como se canta nos pampas argentinos, como se arranca a
perola do Caribe e como se povoa de brancos a Patagônia.
Jornalista: Seja justo com toda América. Não
desprestigies a Nicarágua, para exaltar a Cuba; nem a Cuba para exaltar a
Argentina. Pensa em que chegará a hora em que seremos um só e então o desprezo
e sarcasmo que plantaste te mordera na própria carne.
Artista: Mostra em tua obra a habilidade em
ser elegante, a habilidade da sutileza, de beleza e profundidade ímpar que
temos. Exalte a Leopoldo Lugones, a Ruben Darío e a Amado Nervo: Creia em nossa
sensibilidade que pode vibrar como a outras e irradiar como outras a gota
cristalina e breve de uma obra perfeita.
Industrial: Ajude-nos a vencer, ou ao menos
deter a invasão que dizem inofensiva, mas que é fatal, da América loira que nos
quer vender de tudo, povoar nossos campos e a cidades com suas maquinas, seus
produtos, até do que já temos e não sabemos explorar. Instrua a teus operários,
instrua a teus químicos e a teus engenheiros. Industrial: tu deverias ser o
chefe desta cruzada que abandonas aos idealistas.
Ódio aos yankes? Não! Nos estão vencendo, nos
estão envolvendo por nossa própria culpa, por nossa tórrida languidez, por
nosso fatalismo índio. Nos estão desagregando por obra de algumas de suas virtudes e de todos nossos vícios raciais. Por
que odiá-los? Odiemos aquilo que dentro de nós mesmos nos faz vulnerável a seus
pregos de aço e de ouro: sua vontade e sua opulência.
Orientemos toda a atividade como uma flecha em
direção ao futuro iniludível: a América Espanhola, por duas coisas estupendas:
a língua que Deus nos deu e a dor que nos dá o Norte.
Nós assoberbamos a este à Norte com nossa
inercia; nós estamos criando, com nossa preguiça, sua opulência; nós lhes
estamos fazendo sobressair, com nossos ódios mesquinhos, a sua serenidade e
mesmo a justiça.
Discutimos incansavelmente, enquanto eles
fazem; nos despedaçamos, enquanto eles se juntam, como uma carne jovem, se tornam
duros e formidáveis, soldam os vínculos de seus estados de mar a mar; falamos,
alegamos, enquanto eles plantam, fundem, serram, lavram, multiplicam, forjam; criam
com fogo, terra, ar e agua; criam minuto a minuto, educam em sua própria fé e
se tornam, por esta fé invencíveis.
América e somente América! Que inebriante
futuro, que beleza, que reinado vasto para a liberdade e para as virtudes maiores!
1922 - Santiago de Chile.
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