Shirley Jackson (1916-1965), escritora norte-americana,
escreveu e publicou “A Loteria” em 1948 na Revista The New Yorker. A história narra o que parece ser uma
agradável festa comunitária em uma pequena cidade do interior – cheia de
simpáticos personagens – mas no final, uma grande surpresa, transforma
completamente o conto. A Loteria causou uma reação – medida por cartas à
redação – que nenhum outro conto havia provocado até então e se transformou em
um conto clássico, presente em qualquer antologia de grandes contos norte-americanos.
A versão publicada aqui foi escrita de acordo com o estilo linguístico de
Portugal.
A Loteria
Shirley
Jackson
A manhã de 27 de Junho estava clara e
soalheira, com o fresco calor de um dia de pleno verão; as flores desabrochavam
em profusão e a relva estava de um verde opulento. As pessoas da aldeia
começaram a juntar-se na praça entre o correio e o banco por volta das dez
horas; nalgumas cidades a gente era tanta que a loteria levava dois dias, tendo
de começar a 26 de Junho, mas nesta aldeia, onde havia apenas cerca de
trezentas pessoas, a loteria levava menos de duas horas, e podia assim começar
às dez da manhã e estar acabada a tempo de permitir que as pessoas estivessem
de volta a casa à hora de almoço.
As crianças foram as primeiras a
juntar-se, claro. A escola tinha acabado ainda há pouco, para as férias de
verão, e a sensação de liberdade era ainda um tanto contida na maioria delas;
ficaram calmamente em grupo durante um bocado antes de desatarem na turbulência
da brincadeira, e as conversas ainda eram sobre as aulas e o professor, sobre
os livros e as reprimendas. Bobby Martin já tinha enchido os bolsos de pedras e
os outros rapazes seguiram o exemplo, escolhendo as pedras mais macias e
redondas; Bobby e Harry Jones e Dickie Delacroix—as pessoas da aldeia
pronunciavam “Dellacroy”—fizeram, por fim, um grande monte de pedras num dos
cantos da praça e ficaram a guardá-lo contra as investidas dos outros rapazes.
As raparigas ficaram à parte a falar umas com as outras e a olhar por cima do
ombro para os rapazes, e as crianças mais pequenas rolavam na poeira ou
mantinham-se agarrados à mão dos irmãos ou irmãs mais velhos.
Pouco depois, os homens começaram a
juntar-se, a observar os filhos, a falar das plantações e da chuva, dos tratores
e dos impostos. Ficaram todos juntos, afastados do monte de pedras, num canto,
e as suas graças eram calmas fazendo sorrir, mais do que rir. As mulheres, com
vestidos ou camisolas desbotados, de trazer por casa, chegaram pouco depois dos
homens. Cumprimentavam-se e trocavam bisbilhotices enquanto se dirigiam para o
grupo dos homens para se juntarem aos maridos. Pouco depois, já junto dos
maridos, começaram a chamar pelos filhos e estes, contrafeitos, acabavam por
vir depois de chamados quatro ou cinco vezes. Bobby Martin escapou-se da mão da
mãe que o segurava e foi a correr, a rir, para o monte das pedras. O pai
falou-lhe asperamente e Bobby voltou muito depressa tomando o seu lugar entre o
pai e o irmão mais velho.
A loteria era dirigida—tal como os
bailes na praça, o clube dos jovens e o programa do Dia das Bruxas—por Mr. Summers,
que tinha tempo e energias para se devotar a atividades cívicas. Era um homem
jovial, de cara redonda, e tinha o negócio do carvão, lamentavam-no por não ter
filhos e por ter de aturar uma mulher rabugenta. Quando ele chegou à praça com
a caixa negra de madeira houve um burburinho geral entre os aldeãos, e ele
acenou e disse: «Estou um bocado atrasado, gente.» O chefe dos correios, Mr. Graves,
vinha atrás com um banquinho de três pés, que foi colocado no meio da praça.
Mr. Summers pôs a caixa em cima do banco. As pessoas da aldeia mantiveram-se à
distância, deixando um espaço entre elas e o banco, e quando Mr. Summers
perguntou «Alguém me pode dar uma ajuda?», hesitaram até que dois homens, Mr.
Martin e o filho mais velho, Baxter, avançaram para segurar a caixa sobre o
banco enquanto Mr. Summers baralhava os papeis que se encontravam lá dentro.
A parafernália original da loteria
perdera-se há muito tempo e aquela caixa negra que agora ali estava sobre o
banco já começara a ser utilizada ainda antes de o velho Warner, o homem mais
velho da terra, ter nascido. Mr. Summers dizia muitas vezes que era preciso
fazer uma caixa nova, mas ninguém queria alterar a tradição que aquela caixa
negra representava. Corria uma estória que dizia que aquela caixa tinha sido
construída com bocados da que a precedera, a que fora feita quando as primeiras
pessoas que fundaram a aldeia ali se estabeleceram. Todos os anos, após a loteria,
Mr. Summers falava outra vez na caixa nova, mas também todos os anos deixavam
morrer o assunto sem nada fazer. A caixa negra estava cada ano mais estragada;
agora já não era completamente negra; de um dos lados estava toda estalada e
deixava ver a cor original da madeira, e noutros sítios estava desbotada ou
manchada.
Mr. Martin e o filho mais velho, Baxter,
mantiveram a caixa negra bem firme sobre o banco até Mr. Summers acabar de
baralhar os papeis com a mão. Como uma grande parte do ritual tinha sido
esquecido ou posto de lado, Mr. Summers conseguira que os bocados de madeira
usados durante muitas gerações fossem substituídos por pequenos quadrados de
papel. Argumentava Mr. Summers que os bocados de madeira serviam muito bem
quando a aldeia era muito pequena, mas agora que a população já ultrapassava as
trezentas pessoas, e provavelmente ia continuar a aumentar, era necessário
utilizar qualquer coisa que coubesse bem na caixa negra. Na véspera da loteria,
à noite, Mr. Summers e Mr. Graves preparavam os bocados de papel e metiam-nos
na caixa e depois esta era levada para o cofre da empresa de Mr. Summers, onde
ficava fechada até este a levar para a praça na manhã seguinte. Durante o resto
do ano a caixa ficava guardada ora num lugar ora noutro; um ano ficara no
celeiro de Mr. Graves, noutro, no correio e às vezes punham-na numa prateleira
da mercearia de Martin e lá ficava.
Havia uma série de pequenas coisas a
fazer antes de Mr. Summers declarar aberta a loteria. Tinham de fazer-se
listas—dos chefes das famílias, dos chefes dos vários núcleos de cada família e
dos elementos que faziam parte de cada núcleo. Havia ainda o juramento de Mr. Summers
como presidente da loteria perante o chefe dos correios, uma ladainha formal
que todos os anos era devidamente despachada; uns diziam que o presidente da loteria
costumava ficar apenas de pé a recitá-la ou a cantá-la; outros, que ele devia
andar entre as pessoas, mas já tinham deixado cair esta parte do ritual no
esquecimento há muitos muitos anos. Havia também uma saudação ritual que o presidente
da loteria tinha de dirigir a cada pessoa que vinha tirar o papel da caixa, mas
também isto tinha mudado com o tempo e agora só se esperava do presidente que
falasse com cada pessoa que se aproximava. Mr. Summers era bom em tudo isto; de
camisa branca e calças de ganga, uma mão descuidada pousada sobre a caixa
negra, estava com um ar muito digno e importante enquanto falava
interminavelmente com Mr. Graves e com os Martin.
Precisamente nessa altura, quando Mr. Summers
acabava a conversa e se voltava para as pessoas ali reunidas, apareceu Mrs. Hutchinson,
de camisola sobre os ombros, a correr apressada pelo caminho que levava à
praça, tomando depois lugar atrás do ajuntamento.
— Com as limpezas, esqueci-me que dia
era hoje — disse ela a Mrs. Delacroix, que estava a seu lado, e ambas se riram
baixinho. — Pensei que o meu homem andava fora a empilhar madeira — continuou
ela — e então olhei pela janela e vi que os garotos não estavam e lembrei-me
que hoje era o dia 27 de Junho e vim a correr — Limpou as mãos ao avental e
Mrs. Delacroix disse:
— E ainda chegou a tempo. Eles ainda
estão para ali a conversar.
Mrs. Hutchinson esticou o pescoço para
espreitar através do ajuntamento e viu o marido e os filhos quase na frente.
Deu uma pancadinha de despedida no braço de Mrs. Delacroix e abriu caminho pelo
meio das pessoas; duas ou três disseram suficientemente alto para serem ouvidas
por toda a gente: «Vem aqui Mrs. Hutchinson» e «Bill, afinal ela sempre veio».
Mrs. Hutchinson chegou junto do marido, e Mr. Summers, que estivera à espera,
disse alegremente:
— Já estava a pensar que tínhamos de
continuar sem ti, Tessie. — E Mrs. Hutchinson respondeu com um risinho:
— Com certeza que não querias que eu
deixasse a louça no lava-louça, pois não, Joe? — E gargalhadas baixinhas
correram o ajuntamento enquanto as pessoas se acomodavam nos seus lugares
depois da chegada de Mrs. Hutchinson.
— Bem, agora — disse Mr. Summers com ar
sério — acho que era melhor começarmos com isto, para depois voltarmos para o
trabalho. Falta alguém?
— Dunbar — disseram alguns — Dunbar,
Dunbar.
Mr. Summers consultou a sua lista.
— Clyde Dunbar — disse. — Está certo.
Ele partiu uma perna, não foi? Quem tira a sorte por ele?
— Acho que sou eu — disse uma mulher, e
Mr. Summers voltou-se para ela.
— A mulher tira pelo marido — disse. — A
senhora não tem um filho adulto que o faça por si? — Embora Mr. Summers e toda
a outra gente soubesse muito bem a resposta, era obrigação do presidente da loteria
fazer formalmente a pergunta. Mr. Summers esperou delicadamente pela resposta
de Mrs. Dunbar.
— Horace ainda só tem dezesseis anos —
lamentou Mrs. Dunbar. — Acho que este ano tenho de ser eu a tomar o lugar do
meu homem.
— Muito bem — disse Mr. Summers, e tomou
nota na lista que tinha na mão. Depois perguntou:
— O filho do Watson vem tirar a sorte
este ano?
Um rapaz alto, no meio do ajuntamento,
levantou o braço.
— Estou aqui — disse ele. — Vou tirar
pela minha mãe e por mim — Piscou os olhos nervosamente e baixou a cabeça
quando várias vozes no meio das pessoas disseram coisas como, «Um bom rapaz,
este Jack» ou «Ainda bem que a tua mãe tem um homem para o fazer».
— Bom — disse Mr. Summers — parece-me
que está toda a gente. O velho Warner está?
— Estou aqui — disse uma voz, e Mr. Summers
fez que sim com a cabeça.
As pessoas ficaram subitamente em
silêncio quando Mr. Summers pigarreou e olhou para a lista.
— Estão todos prontos? — perguntou. —
Ora agora vou chamar pelos nomes—primeiro, os chefes das famílias—e os homens
vêm tirar um papel da caixa. Guardem o papel dobrado na mão e não o abram sem
que toda a gente tenha tido a sua vez. Entendido?
As pessoas já tinham feito aquilo tantas
vezes que já mal escutavam as instruções; a maioria estava em silêncio a molhar
os lábios, sem olhar à volta. Depois Mr. Summers levantou o braço bem alto e
disse:
— Adams.
Um homem saiu o meio das pessoas e
avançou.
— Olá, Steve — disse Mr. Summers. E Mr. Adams
respondeu:
— Olá, Joe. — Sorriram um para o outro
sem graça e nervosamente. Depois Mr. Adams meteu a mão na caixa e tirou um
papel dobrado. Segurou-o firmemente por um dos cantos enquanto se virava para
se dirigir rapidamente de volta ao seu lugar no meio do ajuntamento, onde ficou
um pouco afastado dos seus sem olhar para baixo para a mão.
— Allen — disse Mr. Summers. — Anderson…
Bentham…
— Dá a impressão de que já não passa
quase tempo nenhum entre as loterias — disse Mrs. Delacroix para Mrs. Graves na
fila de trás. — Parece que ainda foi ontem a última.
— Realmente o tempo passa mesmo depressa
— disse Mrs. Graves.
— Clark… Delacroix.
Lá vai o meu homem — disse Mrs. Delacroix,
e susteve a respiração enquanto o marido avançava.
— Dunbar — disse Mr. Summers, e Mrs. Dunbar
dirigiu-se decididamente para a caixa, enquanto uma das mulheres dizia «Força,
Janey», e outra, «Lá vai ela».
— A seguir somos nós — disse Mrs. Graves,
e ficou a ver Mr. Graves dar a volta à caixa, saudar Mr. Summers com ar grave e
tirar um papel da caixa. Nesta altura viam-se por todo o ajuntamento homens com
pequenos papeis dobrados na mão, virando-os de um lado e doutro nervosamente.
Mrs. Dunbar e os seus dois filhos estavam juntos, ela com o papel na mão.
— Harburt… Hutchinson.
— Despacha-te, Bill — disse Mrs. Hutchinson,
e as pessoas ali ao pé riram-se.
— Jones.
— Dizem que na aldeia lá em cima no
norte — disse Mr. Adams ao velho Warner, que estava junto dele — andam a falar
em acabar com a loteria.
O velho Warner bufou e respondeu:
— São um bando de idiotas. Se se vai dar
ouvidos ao que os jovens querem, nada lhes basta, e mal damos por isso já eles
querem voltar a viver nas cavernas, sem trabalhar, a viver assim por uns
tempos. Dizia-se antigamente que «Loteria em Junho feita, sinal de boa
colheita». Em pouco tempo estaríamos todos a comer bolota. Sempre houve a loteria
— acrescentou com irritação. — E não é nada bom ver aquele rapaz, o Joe
Summers, a brincar com toda a gente.
— Nalguns lugares, já acabaram mesmo com
as loterias — disse Mrs. Adams.
— Isso só traz problemas — respondeu o
velho Warner determinado. — Um bando de idiotas.
— Martin.
E Bobby Martin viu o pai avançar
— Overdyke… Percy.
— Era bom que se despachassem — disse
Mrs. Dunbar para o filho mais velho.
— Já foram quase todos — respondeu o
filho.
— Prepara-te para ir a correr dizer ao
teu pai — disse-lhe Mrs. Dunbar.
Mr. Summers chamou pelo seu próprio nome
e avançou escrupulosamente, tirando um papel da caixa. Depois continuou:
— Warner.
— É o meu septuagésimo sétimo ano de loteria
— disse ele enquanto ia pelo meio das pessoas. — A septuagésima sétima vez.
— Watson.
O rapaz alto aproximou-se desajeitado
pelo meio das pessoas. Alguém disse, «Não fiques nervoso, Jack» e Summers
acrescentou, «Tem calma, rapaz».
— Zanini.
Depois
disto, houve uma longa pausa, uma pausa ofegante, até que Mr. Summers, com o
seu papel no ar, disse:
— Muito bem, meus amigos — Por momentos
ninguém se mexeu, e depois todos os quadrados de papel foram abertos. De
repente, todas as mulheres começaram a falar ao mesmo tempo, dizendo, «Quem
foi?», «Quem é que o tirou?», «Foram os Dunbar?», «Foram os Watson?». Então
começaram a ouvir-se vozes que diziam, «Foi o Hutchinson. Foi o Bill.», «Foi o
Bill Hutchinson que o tirou.»
— Vai dizer ao teu pai — disse Mrs.
Dunbar para o filho mais velho.
As pessoas começaram a procurar os
Hutchinson com os olhos. Bill Hutchinson ficou calado a olhar para o papel que
tinha na mão. E subitamente Tessie Hutchinson gritou para Mr. Summers:
— Tu não lhe deste tempo para ele tirar
o papel que quisesse. Eu vi. Não está certo.
— Não sejas injusta, Tessie — disse Mrs.
Delacroix.
E Mrs. Graves:
— Todos tivemos as mesmas
possibilidades.
— Cala a boca, Tessie — disse Bill
Hutchinson.
— Bom, pessoal — disse Mr. Summers —
isto andou muito depressa e agora temos de continuar para acabarmos a horas. —
Consultou a lista seguinte.
— Bill — disse ele — tu tiraste pela
família Hutchinson. Há mais alguns lares Hutchinson?
— Há o Don e a Eve — gritou Mrs. Hutchinson.
— Façam-nos tentar a sua sorte!
— As filhas tiram a sorte pelas famílias
dos maridos, Tessie — disse Mr. Summers delicadamente. — Sabes isso tão bem
como eu.
— Isto não foi justo — disse Tessie.
— Acho que não, Joe — disse Bill
Hutchinson pesaroso. — A minha filha tira pela família do marido, e isso está
certo. E eu não tenho mais família além dos miúdos.
— Então, no que diz respeito a
famílias és tu — explicou Mr. Summers — e no que respeita a lares também és tu.
Certo?
— Certo — respondeu Bill Hutchinson.
— Quantos miúdos são, Bill? — perguntou
Mr. Summers formalmente.
— Três — respondeu Bill Hutchinson. — O
Bill Jr., a Nancy e o pequeno Dave. E a Tessie e eu próprio.
— Muito bem — disse Mr. Summers. —
Harry, já tens os papeis?
Mr. Graves fez que sim e mostrou os
papeis.
— Então, mete-os na caixa — disse ele. —
Pega no do Bill e mete-o lá também.
— Eu acho que devíamos começar outra vez
do princípio — disse Mrs. Hutchinson tão calmamente quanto lhe foi possível. —
Volto a dizer-te, isto não foi justo. Tu não lhe deste tempo suficiente para
ele escolher. Toda a gente viu.
Mr. Graves tinha já selecionado os cinco
papeis e meteu-os na caixa, deixando cair todos os outros no chão, onde o vento
os apanhou e espalhou pelo ar.
— Ouçam todos com atenção — dizia Mrs. Hutchinson
para os que estavam à sua volta.
— Estás pronto, Bill? — perguntou Mr. Summers,
e Bill Hutchinson com um rápido olhar para a mulher e os filhos, fez que sim
com a cabeça.
— Não se esqueçam — disse Mr. Summers. —
Tirem os papeis e guardem-nos dobrados até que todos tenham tirado o seu.
Harry, ajuda aí o Dave.
Mr. Graves pegou na mão do garoto, que o
acompanhou de boa vontade até à caixa.
— Tira um papel da caixa, Davy — disse
Mr. Summers.
Dave meteu a mão na caixa e riu-se.
— Tira só um — disse Mr. Summers. —
Harry, guarda-lhe o papel.
Mr. Graves tirou-lhe o papel da mão
fechada e guardou-o, enquanto o pequeno Dave continuava junto dele a olhá-lo
intrigado.
— Agora a Nancy — disse Mr. Summers.
Nancy tinha doze anos e os seus
companheiros da escola sustiveram a respiração quando ela avançou, de saia a
abanar, e tirou graciosamente um papel da caixa.
— Bill Jr. — disse Mr. Summers.
E Billy, de rosto corado e pés grandes,
quase derrubou a caixa ao tirar o papel.
— Tessie — disse Mr. Summers.
Ela hesitou por momentos a olhar à volta
em ar de desafio e depois apertou os lábios, dirigiu-se para a caixa, tirou um
papel lá de dentro e guardou-o atrás das costas.
— Bill — continuou Mr. Summers.
E Bill Hutchinson meteu a mão na caixa, tateou
lá dentro e por fim retirou a mão, onde vinha um papel.
As pessoas calaram-se. Uma rapariga
sussurrou: «Espero que não seja a Nancy.» E aquele sussurro chegou até às
franjas do ajuntamento.
— Isto já não é como dantes — disse o
velho Warner bem alto. — As pessoas já não são como eram.
— Muito bem — disse Mr. Summers. — Abram
os papeis. Harry, abre tu o do pequeno Dave.
Mr. Graves desdobrou o papel e houve um
suspiro de alívio geral quando ele o mostrou e toda a gente viu que estava em
branco. Nancy e Bill Jr. abriram os deles ao mesmo tempo e ambos irradiaram
alegria e se riam, voltando-se para as pessoas a exibir os papeis por cima das
cabeças.
— Tessie — disse Mr. Summers. Houve uma
pausa e depois Mr. Summers olhou para Bill Hutchinson, e Bill desdobrou o papel
e mostrou-o. Estava em branco.
— É a Tessie — disse Mr. Summers, e a
sua voz saiu abafada. — Mostra o papel dela, Bill.
Bill Hutchinson dirigiu-se para a mulher
e arrancou-lhe o papel da mão. Tinha um ponto negro, o ponto negro que Mr. Summers
lhe tinha posto na véspera à noite com o lápis grosso no escritório da empresa
de carvão. Bill Hutchinson ergueu-o no ar e a multidão agitou-se.
— Muito bem, gente — disse Mr. Summers.
— Vamos lá acabar com isto depressa.
Embora tivessem já esquecido os rituais
e perdido a caixa negra original, os aldeões ainda sabiam atirar pedras. O
monte das pedras que os rapazes tinham feito mais cedo estava pronto; havia
pedras no chão juntamente com os papeis que tinham saído da caixa. Mrs. Delacroix
escolheu uma pedra tão grande que teve de a apanhar com ambas as mãos, e
dirigiu-se a Mrs. Dunbar:
— Vamos lá — disse — Despache-se.
Mrs. Dunbar tinha pedras pequenas nas
duas mãos e disse respirando fundo:
— Eu não posso correr. Vai tu à frente
que eu já te apanho.
As crianças já tinham as pedras e alguém
deu ao pequeno Dave alguns seixos.
Tessie Hutchinson estava agora no meio
de uma clareira e levantava os braços desesperadamente à medida que as pessoas
apertavam o cerco.
— Não é justo — dizia.
Uma pedra atingiu-a num dos lados da
cabeça.
O velho Warner dizia:
— Vamos lá, vamos lá, toda a gente.
Steve Adams estava na frente de todos
com Mrs. Graves a seu lado.
— Não é justo, não
é justo — gritava Mrs. Hutchinson, e eles atiraram-se a ela.
Digno de um tempo onde dessas sombras, os castigos saiam e os motivos a eles se convergiam, prontos afinal, para o conto 2,3,4,5,6,7,8,9, e no final conto 10...
ResponderExcluirPor que mentiram e em corpos se vestiram?
Afinal, de que mal e tempero queriam ser julgados, por eles mesmos, os comparsas haja em que o céu não decidiu-se por julgamento algum a presenteá-los!?
Em meu livro, SERES PERCORRENTES<>O ANDARILHO VIVE! -, no Tempo e Espaço de Fora, Hitler e os seus se enlouqueciam porque igualmente o suposto Deus não aparecia para julgá-los, em tempos que choravam a ser medidos ou aliciados, em pura memória de dor, de à cada um com sua tormenta, por que Deus não vivia a julgá-los?
Lógico que nada igual, apenas uma vertente pode ter o mesmo olhar, se não sofrer e imolar-se junto aos seus.
De, Nelson Teixeira
Por, Nelson Alexander Balder de Teixeira Terceiro