Leon Tolstói (1828-1910), escritor russo
mundialmente conhecido por seus romances “Guerra e Paz” e “Anna Karenina”,
também foi um profundo pensador que ao longo de sua vida foi penetrando cada
vez mais profundamente em temas espirituais.
“As três perguntas” é um conto do Tolstoi já maduro, adepto de um
cristianismo quase anárquico, e um dos precursores da não violência com a
“Carta para um hindu” escrita em 1908 e lida por M. Ghandi em 1909 quando o
grande líder espiritual da Índia ainda
estava na África do Sul.
As três perguntas
León Tolstói
“Certa vez, ocorreu a um imperador que, se
soubesse responder apenas às seguintes perguntas, nada jamais o afastaria do caminho
justo:
- Qual é o melhor momento para qualquer coisa?
- Quais são as pessoas mais importantes em
qualquer trabalho?
- Qual é a coisa mais importante a fazer em
qualquer momento?
O imperador promulgou um decreto para todo o
seu império, anunciando que quem
soubesse responder às três perguntas receberia uma grande recompensa. Depois de
ler este decreto, muitos se dirigiram ao palácio com as suas diferentes
respostas.
Respondendo à primeira pergunta, alguém
sugeriu ao imperador que estabelecesse uma ocupação total do tempo, com as
horas, dias, meses, anos e as tarefas a realizar. Se seguisse isso à letra, o
imperador poderia então vir a fazer cada coisa em seu devido tempo. Uma outra
pessoa retorquiu que era impossível prever tudo, que o imperador devia pôr
todas as distrações inúteis à parte e manter-se atento a todas as coisas, para
saber quando e como agir. Uma outra insistiu
que o imperador sozinho não podia possuir a clarividência e a competência
necessárias para decidir quando fazer algo. Parecia-lhe que o mais importante
era nomear um Conselho de Sábios e agir de acordo com as suas recomendações.
Uma outra pessoa disse que certas questões necessitavam de uma decisão imediata
e não podiam esperar por uma consulta. Contudo, se o soberano desejasse
conhecer com antecedência o que ia acontecer, ser-lhe-ia possível interrogar os
adivinhos e os magos.
As respostas à segunda pergunta também
divergiram muito entre si. Alguém disse que o imperador devia colocar toda a
sua confiança nos seus ministros; um outro recomendou que fosse aos padres e
aos monges; outros, ainda, aos médicos e mesmo aos militares.
À terceira pergunta foram dadas respostas
igualmente variadas. Alguns afirmaram que a procura mais importante era a
ciência, outros insistiram que era a religião e outros, ainda, a arte da
guerra. O imperador não ficou satisfeito com nenhuma das repostas e não
atribuiu a ninguém a recompensa.
Depois de várias noites de reflexão, o
soberano decidiu visitar um eremita que vivia na montanha e que era tido por
ser iluminado. O imperador desejava encontrar o santo homem para lhe fazer as
três perguntas, mas sabia muito bem que o eremita nunca deixava as montanhas e
que era conhecido por não receber senão pessoas pobres e por recusar qualquer
contato com ricos e poderosos. Por esta razão, o soberano disfarçou-se como um
pobre camponês e ordenou à sua escolta que esperasse por ele aos pés da
montanha, enquanto sozinho procurava o eremita.
Ao chegar à morada do homem santo, o imperador
avistou-o a cavar o jardim diante da sua cabana. Ao ver o estrangeiro, o eremita
saudou-o com a cabeça e continuou a cavar. Era um trabalho aparentemente muito
penoso para um velho: ele ofegava ruidosamente a cada vez que enterrava a
enxada no solo para revolver a terra. O imperador aproximou-se dele e disse:
“Vim pedir a vossa ajuda. São estas as minhas perguntas”:
“Qual é o melhor momento para qualquer
coisa?”
“Quais são as pessoas mais importantes em qualquer trabalho?” “Qual é a coisa mais importante a fazer em
qualquer momento?”
O eremita escutou-o atentamente e retomou o trabalho
depois de dar uma pequena palmada no ombro do imperador. O monarca disse então:
“Deveis estar cansado. Deixai-me ajudar-vos”.
O velho homem agradeceu-lhe, entregou-lhe a
enxada e sentou-se no chão para descansar. Depois de ter cavado duas fileiras,
o imperador parou, voltou-se para o eremita e repetiu-lhe as suas três perguntas.
De novo, o velho homem não respondeu, mas levantou- se e disse-lhe, mostrando a
enxada: “Porque não descansais um pouco? Eu continuo”. Mas o imperador
continuou a cavar a terra. Passaram uma e outra hora. Por fim, o sol pôs-se
atrás da montanha. O soberano pousou a enxada e disse ao eremita: “Escutai-me,
eu vim até aqui para vos perguntar se sabeis responder às minhas três
perguntas. Mas se não souberdes, dizei-mo para eu regressar à minha casa”.
O eremita levantou a cabeça e perguntou ao
imperador: “Ouvis alguém a correr na nossa direção?”. O imperador virou a
cabeça e ambos viram surgir do bosque um homem com uma longa barba branca.
Corria tropegamente, com as mãos a pressionar uma ferida no ventre, que
sangrava. O homem correu em direção ao soberano até cair sem sentidos no chão.
Gemia. Ao abrir a sua camisa, o imperador e o eremita viram que ele tinha uma
ferida profunda. O monarca limpou-a totalmente e, a seguir, fez-lhe um curativo
com a sua própria camisa. Visto que o sangue corria abundantemente, teve de
enxaguar e enfaixar várias vezes a sua camisa até conseguir estancar o sangue
da ferida.
Finalmente, o homem ferido retomou a
consciência e pediu água. O imperador correu até ao rio e trouxe consigo uma
bilha de água fresca. Ao longo de todo este tempo, o sol pusera-se e o frio da
noite viera. O eremita ajudou o imperador a levar o homem para a cabana, onde o
deitaram sobre a cama. Aí, ele fechou os olhos e adormeceu sossegadamente. O
soberano estava esgotado pela longa jornada que fizera, por caminhar na
montanha e cavar o jardim. Apoiando-se à porta, adormeceu. Por um momento,
esqueceu-se de onde estava e o que
ali tinha ido fazer. Quando acordou, olhou para a cama e viu o homem ferido,
que também se perguntava o que fazia ali naquela cabana. Quando este viu o
imperador, olhou-o atentamente nos olhos e disse num murmúrio dificilmente
perceptível: “Por favor, perdoai-me”.
“Mas o que fizestes para merecerdes ser
perdoado?”, perguntou o soberano.
“Vossa Majestade não me conhece, mas eu vos
conheço. Eu fui vosso inimigo e fiz o voto de me vingar por terdes morto o meu
irmão na última guerra e por terdes se apoderado de todos os meus bens. Quando
soube que vínheis sozinho a esta montanha para vos encontrardes com o eremita,
decidi montar-vos uma cilada e matar-vos. Esperei durante muito tempo, mas
vendo que não vínheis, deixei o meu esconderijo para vos procurar. Foi assim
que acabei por dar com os soldados da vossa guarda que, ao reconhecerem- me,
infligiram- me esta ferida. Felizmente, consegui fugir e correr até aqui. Se
não vos tivésseis encontrado, teria, com certeza, morrido na hora. Eu tinha a
intenção de vos matar e vós salvastes-me a vida! Sinto uma enorme vergonha, mas
também um reconhecimento infinito. Se viver, faço o voto de vos servir até ao meu
derradeiro sopro e ordenarei aos meus filhos e aos meus netos que sigam o meu
exemplo. Suplico-vos, Majestade, concedei-me o vosso per- dão!”.
O imperador encheu-se de alegria ao ver com
que facilidade se havia reconciliado com um antigo inimigo. Não apenas o perdoou,
mas prometeu também restituir-lhe todos os seus bens e enviar o seu próprio
médico e os seus servidores para se ocuparem dele até se curar completamente. Após
ter dado ordem à sua escolta de reconduzir o homem a sua casa, o imperador
regressou para se encontrar com o eremita. Antes de regressar ao seu palácio, o
soberano desejava, por uma última vez, fazer as três perguntas ao velho homem.
Encontrou o eremita a semear os grãos nas fileiras cavadas na véspera. O velho
homem levantou-se e olhou-o: “Mas já tendes a resposta a essas perguntas”.
“Como assim?”, disse o imperador
intrigado.
“Ontem, se não tivésseis tido piedade da minha velhice e não me tivésseis ajudado a cavar a terra, teríeis
sido atacado por este homem quando regressásseis. Teríeis então lamentado
profundamente não terdes ficado comigo. Por consequência, o momento mais
importante foi o tempo passado a cavar o jardim, a pessoa mais importante fui
eu e a coisa mais importante foi ajudares-me. Mais tarde, depois da chegada do
homem ferido, o momento mais importante foi aquele que passastes a tratar da
ferida, porque se o não tivésseis feito, ele teria morrido e vós teríeis
desperdiçado a ocasião de vos reconciliar com um inimigo. Do mesmo modo, ele
foi a pessoa mais importante, e cuidar da ferida foi a tarefa mais importante.
Lembrai-vos que não existe senão um único momento importante, que é agora. Este
instante presente é o único momento sobre o qual podemos exercer o nosso
magistério. A pessoa mais importante é sempre a pessoa com a qual se está,
aquela que está diante de vós, porque quem sabe se vireis a estar ocupado com
uma outra no futuro? A tarefa mais importante é fazer feliz a pessoa que está
ao vosso lado, porque a procura da vida é apenas isso”.
Clássicos são clássicos! Não é à toa que Leon Tolstói é sagrado um clássico da literatura mundial. Ler um texto destes nos faz crescer um pouco. Graças a Deus!
ResponderExcluirLeon Tolstói, único!!!
ResponderExcluirMe lembrei deste conto hoje. 14/03/20 .Estou há um mês num hostel em Setúbal e em tempo do coronavírus e quarentena as pessoas mais importantes além do meu marido são jovens: 3 brasileiros e 1 ucraniano que conheço há 3 semanas.
ResponderExcluirAcabei de ler o livro infantil "As três perguntas", de Jon J Muth que foi baseado no conto de Tolstoi. Ambos lindíssimos!
ResponderExcluirPor causa do livro de Jon J Muth cheguei aqui. Realmente são lindos.
Excluir