Nikolay Karamzim (1766–1826)
escritor e historiador russo publicou este conto ainda no século dezoito (cem
anos antes da publicação de Quincas Borba por Machado de Assis) e é considerado um dos precursores do movimento romântico e da grande literatura russa. Nele,
Liza vive um amor de Cinderela que, infelizmente, não termina bem. (Este conto abre a Nova Antologia do Conto Russo publicado pela Editora 34)
Pobre Liza
Nikolai
Karamzin
É provável que nenhum habitante
de Moscou conheça tão bem quanto eu os arredores desta cidade, porque ninguém
costuma ir ao campo mais que eu, ninguém vagueia mais que eu, sem plano, sem
rumo — aonde os olhos levam —, por seus prados e bosques, por suas colinas e
planícies. Todo verão encontro lugares novos e agradáveis, ou novas belezas nos
antigos.
Mas o que mais me agrada é o
lugar de onde se elevam as torres góticas e sombrias do mosteiro de Símonov.
Do alto dessa colina, à direita, pode-se ver quase toda Moscou; uma quantidade
espantosa de casas e igrejas que se apresenta aos olhos como um majestoso
anfiteatro: um quadro magnífico, em especial quando iluminado pelo sol, quando
seus raios vespertinos incidem sobre as inumeráveis cúpulas douradas e as
inumeráveis cruzes que se elevam ao céu! Embaixo estendem-se prados férteis,
exuberantemente verdes e floridos, e atrás deles, entre areias amarelas, corre
um rio claro, que se agita com os remos leves dos barcos de pesca, ou borbulha
sob o leme dos barcos de carga que vêm navegando desde os pontos mais férteis
do império russo e suprem de cereais a ávida Moscou.
Do outro lado do rio se vê um
bosque de carvalhos e numerosos rebanhos pastando ao longo dele; ali, à sombra
das árvores, jovens pastores cantam canções simples e tristes, abreviando assim
seus dias tão monótonos de verão. Adiante, em meio ao verde exuberante de olmos
antigos, brilha o mosteiro Danílov,
de cúpulas douradas; um pouco mais à frente, quase na linha do horizonte,
divisam-se as azuladas Colinas dos Pardais. Já do lado esquerdo se vê um campo
vasto, coberto de trigo, pequenos bosques, três ou quatro aldeiazinhas, e ao
longe a aldeia de Kolómienskoie, com seu alto palácio.
Venho com frequência a este
lugar, onde quase sempre comemoro a entrada da primavera; dirijo-me para cá
também nos dias sombrios de outono, para lamentar junto com a natureza. O uivo
dos ventos é assustador entre os muros do mosteiro deserto, entre os túmulos
cobertos pela relva crescida e nas passagens escuras das celas. Ali,
apoiando-me nas ruínas das lápides de pedra, ponho-me a escutar o gemido surdo dos tempos devorados pelo
abismo do passado — um gemido que faz palpitar e estremecer meu coração. Às
vezes entro nessas celas e fico imaginando aqueles que nelas viveram — que
triste quadro! Nesta vejo um ancião de cabelos grisalhos, ajoelhado diante de
um crucifixo, rezando pela rápida libertação de seus grilhões na terra, já que
não tinha mais nenhum prazer na vida e, com exceção da doença e da fraqueza,
todos os seus sentimentos haviam morrido. Naquela um jovem monge, com o rosto
pálido e olhar lânguido, contempla o campo através das grades da janela e vê os
pássaros alegres, nadando livremente no mar do ar; fica olhando, e de seus
olhos rolam lágrimas amargas. Ele enlanguesce, murcha e definha; e a badalada
melancólica do sino anuncia-me sua morte prematura. De vez em quando ponho-me a
observar nos portais do templo a representação dos milagres que ocorreram neste
mosteiro: naquele os peixes caem do céu para saciar a fome dos habitantes do
mosteiro, assediado por numerosos inimigos; neste a imagem da mãe de Deus põe
em fuga os adversários. Tudo isso vem refrescar-me na memória a história de
nossa pátria, a triste história dos tempos em que os lituanos e os tártaros
rapaces devastaram, a ferro e fogo, os arredores da capital russa, mesmo quando
a infeliz Moscou, como uma viúva indefesa, contava apenas com a ajuda de Deus
em sua amarga desventura.
Mas o que mais me atrai aos muros
do mosteiro de Símonov são as recordações do lamentável destino de Liza, da
pobre Liza. Ah! Gosto das coisas que me tocam o coração e me fazem derramar
lágrimas de doce pesar!
A umas setenta sájens
dos muros do
mosteiro, perto de um pequeno bosque de bétulas, em meio ao prado verde, há
uma cabana desabitada, sem porta, sem janelas e sem chão; faz tempo que seu
telhado apodreceu e desabou. Nessa cabana, há uns trinta anos ou mais, habitava
a bela e doce Liza, com uma velhinha, sua mãe.
O pai de Liza fora um camponês abastado,
porque amava o trabalho, lavrava bem a terra e sempre levara uma vida sóbria.
Mas logo após sua morte, a mulher e a filha empobreceram. A mão preguiçosa do
lavrador contratado cultivara mal a roça e o trigo deixara de crescer. Foram
obrigadas a arrendar suas terras por um valor ínfimo. E além do mais, a pobre
viúva, que vivia derramando lágrimas por seu finado marido — já que as
camponesas também sabem amar! —, foi ficando cada dia mais fraca, até não poder
mais trabalhar. Apenas Liza, que aos quinze anos ficara sem pai — apenas Liza,
sem poupar sua juventude nem sua beleza rara, trabalhava dia e noite: fiava o
linho, tricotava meias, colhia flores na primavera e frutas silvestres no verão,
e as vendia em Moscou. A velhinha, sensível e bondosa, vendo a infatigabilidade
de sua filha, sempre a estreitava contra o coração, que batia fracamente,
chamando-a de graça divina, arrimo de família, deleite de sua velhice, e pedia
a Deus que a recompensasse por tudo o que fazia pela mãe.
“Deus me deu mãos para trabalhar
— dizia Liza —; quando era criança, me alimentaste em teu seio e cuidaste de
mim; agora chegou minha vez de cuidar de ti. Só quero que pare de se arruinar,
que pare de chorar; nossas lágrimas não trarão meu paizinho de volta.”
Mas muitas vezes a doce Liza não
conseguia conter as próprias lágrimas... ah! lembrava-se de que tivera um pai
e de que ele já não existia, mas para tranquilizar a mãe procurava esconder a
tristeza no coração e parecer serena e alegre. “No outro mundo, querida Liza —
respondia a velhinha amargurada —, no outro mundo, deixarei de chorar. Dizem
que lá todos serão felizes; estou certa de que serei feliz quando vir teu pai.
Só não quero morrer agora — o que seria de ti sem mim? Com quem haveria de deixar-te?
Não, permita Deus que te deixe antes instalada em algum lugar! Pode ser que
encontre logo um bom homem. Então, depois de vos abençoar, meus filhos
queridos, hei de benzer-me e deitar-me em paz sob a terra úmida.”
Dois anos se passaram desde a morte
do pai de Liza. Os prados cobriram-se de flores e Liza foi a Moscou com os
lírios do vale. Um moço bem-vestido e de aparência agradável cruzou com ela na
rua. Ela mostrou- -lhe as flores e corou. “Estão à venda, menina?” — perguntou
ele com um sorriso. “Estão” — respondeu ela. “E quanto queres por elas?” —
“Cinco copeques.” — “É barato demais. Aqui está um rublo.” Surpresa, Liza
atreveu-se a olhar para o jovem — corou ainda mais e, baixando os olhos para o
chão, disse-lhe que não aceitaria um rublo. “Para que isso? Não preciso que
pague a mais.” — “Acho que esses lírios maravilhosos, colhidos pelas mãos de
uma linda menina, valem um rublo. Mas já que não o aceitará, aqui estão os
cinco copeques. Gostaria de comprar tuas flores sempre; gostaria que as colhesse
apenas para mim.” Liza entregou as flores, pegou os cinco copeques, inclinou-se
para ele e quis ir embora, mas o desconhecido a segurou pelo braço: “Para onde
vais, menina?” – “Para casa.” — “E onde fica a tua casa?” Liza disse onde
morava e partiu. O jovem não quis retê-la, talvez porque os transeuntes estivessem
começando a parar e a olhar para eles com um sorriso malicioso.
Ao chegar a sua casa, Liza contou
para a mãe o que lhe havia sucedido. “Fizeste bem em não aceitar um rublo.
Talvez seja uma pessoa má...” — “Ah, não, mãezinha! Não acho que seja. Tinha
uma expressão bondosa, uma voz tão...” — “No entanto, Liza, é preferível viver
do próprio trabalho e não aceitar nada de graça. Ainda não sabe, minha querida,
como uma pessoa má pode ofender uma pobre menina! Fico sempre com o coração na
mão quando vais à cidade. Acendo sempre uma vela diante do ícone e peço ao
senhor Deus que te proteja de todo mal e de uma desgraça.” E os olhos de Liza
se encheram de lágrimas; ela beijou a mãe.
No dia seguinte, Liza colheu os
mais belos lírios e voltou com eles à cidade. Seus olhos timidamente procuravam
algo.
Muitas pessoas quiseram
comprar-lhe as flores, mas ela respondia que não estavam à venda, olhando ora
para um lado, ora para o outro. Começou a anoitecer, era preciso voltar para
casa, e as flores foram atiradas ao rio Moscou. “Que ninguém vos possua!” —
disse Liza, sentindo certa tristeza no coração.
No dia seguinte, ao entardecer,
estava sentada junto à janela, tecendo e cantarolando baixinho uma canção
melancólica, mas de repente levantou de um salto e gritou: “Ah!...”. O jovem
desconhecido estava junto à janela.
“O que houve contigo?” —
perguntou assustada a mãe, que estava sentada ao seu lado. “Nada, mãezinha —
respondeu Liza, com uma voz tímida —, é que acabo de vê-lo.” — “A quem?” — “O
senhor que comprou minhas flores.” A velhinha espiou pela janela.
O jovem inclinou-se para ela com
tanta cordialidade, com uma expressão tão agradável, que ela só pôde pensar
bem dele. — “Como vai, minha boa mulher?! — disse ele. — Estou muito cansado;
não teria um pouco de leite fresco?” A prestativa Liza, sem esperar resposta de
sua mãe – talvez porque já a conhecesse —, correu até o porão, trouxe uma bilha
de barro limpa, coberta com uma tampa limpa de madeira, pegou um copo, lavou-o
e enxugou-o com uma toalha branca, encheu-o de leite e o entregou pela janela,
mas ela mesma olhava para o chão. O desconhecido o tomou — nem o néctar das
mãos de Hebe poderia ter-lhe parecido mais saboroso. Qualquer um pode deduzir que
depois disso ele agradeceu a Liza, e a agradeceu tanto com palavras quanto com
o olhar.
Entretanto, a bondosa velhinha
teve tempo de lhe contar sobre sua pena e seu consolo — sobre a morte do marido
e as qualidades especiais de sua filha querida, sobre sua ternura e seu amor ao
trabalho, e assim por diante. Ele a escutava com atenção, mas seus olhos
estavam... será preciso dizer onde? E Liza, a tímida Liza, lançava de vez em
quando um olhar para o jovem rapaz, mas nem o fulgor de um raio desaparece nas
nuvens com tanta rapidez quanto os olhos azuis dela se voltavam para o chão ao
cruzar com o olhar dele. “Gostaria — disse ele à mãe — que tua filha não
vendesse a ninguém, senão a mim, o seu trabalho. Assim, não terá por que ir com
tanta frequência à cidade e não terás necessidade de se separar dela. Posso vir
aqui de vez em quando pessoalmente.” Nesse momento, nos olhos de Liza brilhou
uma alegria que ela tentou em vão esconder; as faces ficaram rubras como o pôr
do sol numa noite clara de verão; ela olhava para a sua manga esquerda e a
beliscava com a mão direita. A velhinha recebeu a proposta com gosto, sem
suspeitar de qualquer má intenção, e pôs-se a garantir ao rapaz que o tecido
feito por Liza, as meias tricotadas por Liza, eram de excelente qualidade e
mais duradouros que quaisquer outros.
Começou a anoitecer e o rapaz
queria ir embora. “E como podemos chamá-lo, bom e gentil senhor?” — perguntou a
velhinha. “Meu nome é Erast” — respondeu ele. “Erast — disse Liza baixinho —,
Erast!” Repetiu esse nome umas cinco vezes, como se tentasse decorá-lo. Erast
despediu-se delas e se foi. Liza o seguiu com o olhar; mas a mãe sentou-se
pensativa e, segurando na mão da filha, disse-lhe: “Ah Liza! Como ele é bom e
gentil! Se teu noivo for assim!”. O coração de Liza estremeceu todo. “Mãezinha!
Mãezinha! Como isso seria possível? Ele é um senhor, e entre camponeses...” —
Liza não terminou a frase.
Agora o leitor deve saber que
aquele jovem, Erast, era um senhor muito rico, ajuizado e de bom coração, bom
por natureza, mas fraco e leviano. Levava uma vida desregrada, pensava apenas
no próprio prazer, procurava-o nas diversões mundanas, mas quase nunca
encontrava: ficava então entediado e reclamava de seu destino. Ao primeiro
encontro, a beleza de Liza causou-lhe no íntimo uma forte impressão. Ele lia
romances, poemas idílicos, possuía uma imaginação muito viva e, muitas vezes,
transportava-se em pensamentos para aqueles tempos (passados ou imaginários)
em que, se acreditarmos nos poetas, todos passeavam despreocupadamente pelos
prados, banhavam-se em fontes límpidas, beijavam-se como pombinhos, descansavam
sob mirtos e roseirais e passavam todos os dias numa feliz ociosidade.
Pareceu-lhe ter encontrado em Liza algo que seu coração havia muito procurava.
“A natureza convida-me ao seu abraço, à sua alegria mais pura” — pensou ele, e
decidiu, pelo menos por um tempo, deixar a vida mundana.
Voltemos a Liza. A noite caía, a
mãe abençoou a filha e desejou-lhe bons sonhos, mas dessa vez seu desejo não se
cumpriu; Liza dormiu muito mal. O novo hóspede de sua alma, a imagem de Erast,
surgia-lhe tão vivamente, que ela acordava quase a todo instante, acordava e
suspirava. Liza levantou-se ainda antes do nascer do sol, foi até a beira do
rio Moscou, sentou-se na grama, cheia de tristeza, e pôs-se a olhar para a
névoa branca que se agitava no ar e, ao subir para o alto, deixava gotas
brilhantes sobre o manto verde da natureza. O silêncio reinava por toda parte.
Mas logo despontou a luz do dia, despertando a criação inteira: os bosques e
os arbustos reviveram, os pássaros alçaram voo, pondo-se a cantar, e as flores
soergueram a cabecinha para matar a sede com os raios vivificantes de luz. Mas
Liza continuava compungida. Ah, Liza, Liza! O que aconteceu contigo? Até hoje,
ao despertar com os pássaros, te divertias com eles pela manhã, e tua alma pura
e alegre brilhava em teus olhos, como o sol brilha nas gotas de orvalho
celeste, mas agora estás perdida em pensamentos, e a alegria plena da natureza
está alheia ao teu coração. Enquanto isso, um jovem pastor conduzia seu rebanho
ao longo do rio, tocando sua flauta. Liza ficou olhando para ele e pensou: “Se
aquele que agora ocupa meu pensamento tivesse nascido um simples camponês, um
pastor, e passasse agora diante de mim conduzindo o seu rebanho, ah! eu o
saudaria com um sorriso e diria amavelmente ‘Bom dia, meu gentil pastor! Para
onde levas o teu rebanho? Aqui também cresce a grama verde para as tuas
ovelhas, aqui também há flores escarlate, com as quais se pode tecer uma
guirlanda para o teu chapéu’. Ele me fitaria com carinho, e talvez segurasse
minha mão. Que sonho!”. O pastor passou distraído com seu rebanho de cores
variadas, tocando flauta, e desapareceu atrás da colina.
De repente Liza escutou um ruído
alegre, olhou para o rio e avistou um barco, e no barco estava Erast.
Seu coração pôs-se a bater mais
rápido, e não era de medo, claro. Ela se levantou e quis ir-se, mas não pôde.
Erast pulou para a margem, aproximou-se de Liza, e seu sonho em parte se
cumpria, já que ele a fitou com carinho e segurou-lhe a mão... Mas Liza, Liza
tinha o olhar baixado, as faces em chamas e o coração palpitante; não conseguiu
soltar-se de suas mãos, nem conseguiu virar-se quando ele aproximou dela seus
lábios rosados... Ah! Ele a beijou, beijou com tanto ardor, que o universo
inteiro pareceu-lhe arder em chamas! “Querida Liza! — disse Erast. — Querida
Liza! Eu te amo!” E aquelas palavras ressoaram lhe nas profundezas da alma como
uma música encantadora, celestial; ela mal ousava crer no que ouvia e...
Mas deixo a pena de lado. Direi
apenas que, nesse momento de êxtase, a timidez de Liza desaparecera, e Erast
soube que era amado, apaixonadamente amado, por um coração novo, puro e
franco.
Sentaram-se na grama, e de forma
tal que não sobrava muito espaço entre eles — fitavam-se nos olhos e diziam um
ao outro: “Ama-me!” — e duas horas lhes pareceram um átimo. Afinal Liza
lembrou-se de que sua mãe poderia estar preocupada com ela. Era preciso que se
separassem: “Ah, Erast! — disse ela. — Haverás de me amar sempre?” — “Sempre,
querida Liza, sempre!” — respondeu ele. “E podes jurar-me?” — “Posso,
encantadora Liza, posso!” — “Não! Não preciso de juras. Acredito em ti, Erast,
acredito. Como poderias enganar a pobre Liza? Isso seria impossível!” —
“Impossível, impossível, querida Liza!” — “Como estou feliz, e como minha
mãezinha ficará contente quando souber que me amas!” — “Oh, não, Liza! Não há
necessidade de dizer-lhe nada.” — “E por quê?” — “Os velhos são muitas vezes
desconfiados. Ela poderia imaginar algo de ruim.” — “Isso nunca aconteceria.”
— “No entanto, eu te peço, não lhe diga uma palavra sobre isso.” — “Está bem:
devo obedecer-te, embora preferisse não ocultar nada a ela.”
Eles se despediram, beijaram-se
pela última vez e prometeram encontrar-se todos os dias ao entardecer ou na
margem do rio, ou no bosque de bétulas, ou em algum lugar próximo da cabana de
Liza, contanto que se vissem sem falta. Liza foi embora, mas seus olhos
voltaram-se uma centena de vezes para trás, para Erast, que continuava de pé,
na beira do rio, seguindo-a com o olhar.
Liza voltou para sua cabana numa
disposição completamente diferente daquela em que a deixara. A alegria de seu
coração estampava-se em seu rosto e em todos os seus movimentos. “Ele me ama!”
— pensava, e ficava encantada com esse pensamento. — “Ah, mãezinha! — disse
Liza a sua mãe, que acabara de acordar. — Ah, mãezinha! Que bela manhã! Está
tudo tão alegre no campo! As cotovias nunca cantaram tão bem, o brilho do sol
nunca foi tão luminoso, as flores nunca exalaram perfume mais agradável!”
A velhinha, apoiando-se numa
bengala, saiu para o prado, para aproveitar a manhã que Liza descrevera com
cores tão encantadoras. De fato, ela lhe pareceu excepcionalmente agradável.
Para ela, sua encantadora filha havia inspirado toda a natureza com sua
alegria. “Ah, Liza! – disse ela. — Como é bom tudo o que vem do Senhor, nosso
Deus! Há sessenta anos que vivo neste mundo e não me canso de admirar a criação
do Senhor: não me canso de admirar o céu claro, que parece um imenso manto, e a
terra, que a cada ano é coberta com nova grama e novas flores. O tzar celestial
devia amar muito o homem, quando criou tão bem este mundo para ele. Ah, Liza!
Quem haveria de querer morrer, se não houvesse às vezes a dor?... Por certo, assim
deve ser. Se nossos olhos nunca derramassem lágrimas, talvez nos esquecêssemos
de nossa própria alma.” E Liza pensava: “Ah! Prefiro esquecer minha alma a
esquecer o meu amigo querido!”.
Depois disso, Erast e Liza,
temendo quebrar sua palavra, encontravam-se todas as noites (assim que a mãe
de Liza se deitava para dormir), nas margens do rio ou no bosque de bétulas,
mas, com mais frequência, à sombra dos carvalhos centenários (que cresciam a
umas oitenta sájens da cabana), carvalhos que sombreavam o lago
profundo e límpido, escavado ainda em tempos remotos. Lá, muitas vezes, por
entre ramos verdes, a lua silenciosa prateava com seus raios os cabelos claros
de Liza, com os quais brincavam os zéfiros e a mão de seu querido amigo. Muitas
vezes, esses raios iluminavam nos olhos da doce Liza uma lágrima brilhante de
amor, que Erast sempre secava com um beijo. Eles se abraçavam, mas a tímida e
casta Cíntia não se escondia deles nas nuvens: seus abraços eram puros e
imaculados. “Quando — dizia Liza para Erast — quando me dizes: ‘Meu amor,
minha amiga’. Quando me estreitas contra o teu coração e me fitas com teus
olhos ternos, ah! nessa hora me sinto tão bem, mas tão bem, que me esqueço de
mim mesma, esqueço-me de tudo, exceto de Erast. É maravilhoso! É maravilhoso,
meu amigo, que tenha podido viver tranquila e feliz sem conhecer-te! Agora, não
consigo entender isso, agora acho que a vida sem ti não é vida, mas tristeza e
tédio. Sem teus olhos, a lua clara fica escura; sem tua voz, o canto do
rouxinol é entediante; sem tua respiração, a brisa parece desagradável.” Erast
estava encantado com sua pastora — era como chamava Liza —, e, ao ver como ela
o amava, ele parecia mais agradável a seus próprios olhos. Até as diversões
mais suntuosas da alta sociedade lhe pareciam insignificantes em comparação com
estes prazeres com que a “amizade apaixonada” de uma alma pura nutria seu
coração. Pensava com repulsa na volúpia lúcida com que antes se inebriavam os
seus sentimentos. “Viverei com Liza como irmão e irmã — pensava ele —, nunca me
aproveitarei de seu amor e serei sempre feliz!” Jovem insensato! Conheces teu
próprio coração? Poderás sempre responder por teus atos? Será a razão sempre
dona dos teus sentimentos?
Liza exigia que Erast fosse
visitar sua mãe com frequência. “Eu a amo — dizia ela —, e desejo-lhe o melhor,
e parece-me que ver-te é uma grande bênção para qualquer pessoa.” A velhinha de
fato sempre ficava feliz ao vê-lo. Ela gostava de conversar com ele sobre seu
falecido marido e contar sobre seus tempos de juventude, como se encontrara com
seu amado Ivan pela primeira vez, como ele se apaixonou, e com que amor e
harmonia viveu com ela. “Ah! nunca cansávamos de fitar um ao outro, até o
derradeiro instante em que a morte cruel enfraqueceu-lhe as pernas. Morreu em
meus braços!” Erast ouvia com sincero prazer. Ele comprava dela o trabalho de
Liza e sempre queria pagar dez vezes mais que o preço estabelecido, mas a
velhinha nunca aceitava.
Várias
semanas transcorreram dessa maneira. Certa vez, ao anoitecer, Erast esperou
muito tempo por sua Liza. Finalmente ela chegou, mas estava tão triste que o
assustou; tinha os olhos avermelhados de lágrimas. “Liza, Liza! O que aconteceu
contigo?” — “Oh, Erast! Estava chorando!” — “Por quê? O que houve?” — “Devo dizer-te
tudo. Encontraram-me um noivo, o filho de um rico camponês da aldeia vizinha;
minha mãezinha quer que me case com ele.” — “E estás de acordo?” — “Como é
cruel! Como podes perguntar-me isso? Só tenho pena de minha mãezinha; ela chora
e diz que não desejo vê-la
tranquila,
que sofrerá muito antes de sua morte, se não me vir casada. Ah! Minha mãezinha
não sabe que tenho um amigo tão querido!” Erast beijava Liza e dizia-lhe que a
felicidade dela lhe era mais cara do que tudo no mundo, que após a morte de sua
mãe a levaria consigo e viveria com ela, inseparavelmente, na aldeia e nos
bosques espessos, como no Paraíso. “No entanto, não podes ser meu marido!”—
disse Liza, suspirando baixinho. — “E por quê?” – “Sou uma camponesa.” — “Estás me ofendendo.
Para o teu amigo, o mais importante de tudo é a alma, uma alma sensível e
inocente — e Liza estará sempre muito perto do meu coração.”
Ela
atirou-se em seus braços — e essa hora haveria de ser fatal para a sua pureza!
Erast sentiu no sangue uma agitação extraordinária, Liza nunca lhe parecera tão
encantadora, suas carícias nunca o tocaram tão fortemente, seus beijos nunca
haviam sido tão ardentes — ela não sabia de nada, não suspeitava de nada e nada
temia — a penumbra da noite nutriu o desejo — nenhuma estrelinha brilhou no
céu, nenhum raio de luz conseguiu iluminar o desatino. Erast sentia-se tremer,
Liza também, sem saber por quê, sem saber o que estava acontecendo com ela...
Ah! Liza, Liza! Onde está o teu anjo da guarda? Onde está a tua inocência?
O desatino
durou apenas um instante. Liza não entendia os próprios sentimentos, estava
surpresa e fazia perguntas. Erast ficou em silêncio, buscava palavras, mas não
as encontrava. “Ah, estou com medo — disse Liza —, tenho medo do que aconteceu conosco. Sinto como se fosse morrer,
como se minha alma... Não, não sei dizer isso!... Não dizes nada, Erast? Estás
suspirando?... meu Deus! O que é isso?” Nisso, brilhou um raio e ribombou um
trovão. Liza estremeceu toda. “Erast, Erast! — disse ela. — Estou com medo!
Temo que o trovão me mate, como a uma criminosa!” A tempestade fazia um barulho
ameaçador, a chuva despejava das nuvens negras, era como se a natureza
lamentasse a inocência perdida de Liza. Erast
tentava acalmá-la e a acompanhou até a
cabana. Lágrimas rolavam de seus olhos, quando se despediu dele. “Ah, Erast! Assegura-me de que seremos felizes como
antes!” — “Seremos, Liza, seremos!” — respondeu ele. — “Queira Deus! Não posso
deixar de acreditar em tuas palavras: pois eu te amo! É que em meu coração...
Mas basta! Perdoa-me! Amanhã, amanhã nos
veremos.”
Os encontros
deles continuaram; mas como tudo mudara! Erast já não podia satisfazer-se
apenas com as carícias inocentes de sua Liza, apenas com seus olhares cheios de
amor, apenas com o toque da mão e os beijos e abraços puros. Ele desejava cada
vez mais, até não conseguir desejar nada — e quem conhece o próprio coração e
refletiu sobre a natureza de seus prazeres mais ternos, certamente há de
concordar comigo que a realização de todos os desejos é a mais perigosa
tentação do amor. Liza já não era para Erast aquele anjo de pureza que antes
despertara a sua imaginação e encantara sua alma. O amor platônico havia cedido lugar a
sentimentos dos quais ele não podia se orgulhar e que já não lhe eram novos. No
que se refere a Liza, ao se entregar completamente a ele, vivia e respirava
apenas por ele; como um cordeiro, submetia-se em tudo à sua vontade e só
encontrava felicidade no prazer dele. Ela percebia nele uma mudança e muitas
vezes lhe dizia: “Antes eras mais alegre, antes éramos mais calmos e felizes, e
antes eu não temia perder o teu amor!”. Às vezes, ao se despedir dela, ele lhe
dizia: “Amanhã, Liza, não poderei vir ao teu encontro: surgiu um assunto
importante”. E Liza suspirava todas as vezes que ouvia estas palavras.
Por fim, ela
ficou sem vê-lo por cinco dias seguidos
e estava muito preocupada; no sexto dia ele chegou com uma expressão abatida e
lhe disse: “Querida Liza! Devo despedir-me de ti por algum tempo. Sabes que
estamos em guerra e que estou a serviço, meu regimento está partindo em
campanha”. Liza empalideceu e quase desmaiou.
Erast a
acariciou, disse que sempre amaria sua querida Liza e que em seu regresso
esperava nunca mais separar-se dela. Liza ficou em silêncio por um longo tempo,
depois irrompeu em lágrimas amargas, agarrou-lhe o braço e, fitando-o com toda a ternura do
amor, perguntou: “Não podes ficar?” — “Posso — respondeu ele —, só que a custo
de uma grande desonra, de uma grande mancha em minha honra. Todo mundo haverá
de me desprezar e desviar-se
de mim, como de um covarde, de
um filho indigno da pátria.” — “Ah,
se é assim — disse Liza —, então vá, vá para onde Deus ordenar! Mas poderão te
matar.” — “Morrer pela pátria não é tão assustador, amada Liza.” — “Morrerei,
assim que deixares este mundo.” — “Mas, para que pensar assim? Espero continuar
vivo, espero voltar para ti, minha amiga.” — “Queira Deus, Queira Deus! Hei de
rezar todos os dias e a toda hora para que assim seja. Ah, por que não sei ler,
nem escrever? Poderias informar-me de tudo o que acontecesse contigo e eu
escreveria para ti — sobre minhas lágrimas!” — “Não, cuida-te Liza, cuida-te
para o teu amigo. Não quero que chores na minha ausência.” — “Homem cruel!
Pensas privar-me desse consolo! Não! Depois que nos separarmos, só cessarei de
chorar quando tiver o coração seco.” — “Pensa no momento agradável em que
tornaremos a nos encontrar.” — “Pensarei, pensarei nele! Ah, se pelo menos ele
chegasse logo! Querido e gentil Erast! Lembra, lembra da tua pobre Liza, que te
ama mais que a si mesma!”
Mas
não sou capaz de descrever tudo o que disseram nessa ocasião. No dia seguinte
teria lugar o último encontro deles.
Erast
quis se despedir da mãe de Liza, que não pôde conter as lágrimas ao ouvir que
seu gentil e belo cavalheiro tinha de ir para a guerra. Ele insistiu que ela
aceitasse algum dinheiro seu, dizendo-lhe: “Não quero que, na minha ausência,
Liza venda o seu trabalho, que por nosso acordo me pertence”. A velhinha o
cobriu de bênçãos.
“Queira
Deus — disse ela — que regresses são e salvo para nós e que possa ver-te mais
uma vez nesta vida! Pode ser que nesse tempo minha Liza encontre para si o
noivo conveniente. Como agradeceria a Deus se pudesse voltar para o nosso
casamento. Quando Liza tiver filhos, saiba, senhor, que deverás batizá-los. Ah!
Como quero viver até lá!” Liza se pôs ao lado da mãe e não ousou olhar para
ela. O leitor há de imaginar facilmente o que ela sentia naquele instante.
Mas
o que não sentiu ela no momento em que, ao abraçá-la pela última vez, ao
estreitá-la contra o seu coração pela última vez, Erast lhe disse: “Adeus,
Liza!”. Que quadro tocante! O crepúsculo matutino se derramava como um mar
escarlate pelo céu do oriente. Erast, sob os ramos de um carvalho alto,
abraçava sua pobre amiga, lânguida e amargurada, que, ao despedir-se dele,
despedia-se de sua alma. E toda a natureza permanecia em silêncio.
Liza
soluçava, Erast chorava; ele a deixou, ela caiu, pôs-se de joelhos, ergueu as
mãos para o céu e ficou olhando Erast, que se afastava cada vez mais, até finalmente
desaparecer — o sol começou a brilhar, e a pobre Liza, abandonada, perdeu os
sentidos e a consciência.
Quando
voltou a si, também o mundo lhe pareceu triste e melancólico. Todos os
prazeres da natureza haviam desaparecido para ela junto com o amado de seu
coração. “Ah! — pensava ela. — Por que permaneci nesse deserto? O que me
impede de voar atrás de meu querido Erast? A guerra não me assusta; o que me
assusta é estar onde não está o meu amigo. Quero viver com ele e morrer com
ele, ou salvar sua preciosa vida com a minha própria morte. Espera, espera,
meu amado! Estou voando para junto de ti.” Ela já ia correr atrás de Erast,
mas um pensamento a deteve: “Tenho uma mãe!”. Liza suspirou, baixou a cabeça e
foi a passos lentos para sua cabana. Desde esse instante, seus dias foram dias
de tristeza e dor, que tinha de esconder de sua querida mãe, com o que sofria
ainda mais seu coração! Ele só encontrava alívio quando Liza, ao isolar-se no
denso bosque, podia derramar lágrimas livremente e gemer pela ausência de seu
amado. Muitas vezes uma rolinha triste vinha juntar sua voz queixosa ao
lamento dela. Mas às vezes — embora muito raramente — um raio dourado de esperança,
um raio de consolo, iluminava a escuridão de sua dor. “Quando ele voltar para
mim, como serei feliz! Como tudo haverá de mudar!” A este pensamento, seus
olhos se iluminavam, as faces ficavam rosadas, e Liza sorria como uma manhã de
maio depois de uma noite de tempestade. E assim se passaram cerca de dois
meses.
Certo
dia Liza teve de ir a Moscou, a fim de comprar água de rosas para sua mãe
tratar dos olhos. Numa das grandes ruas ela se deparou com uma carruagem
magnífica e na carruagem viu Erast. “Ah!” — Liza pôs-se a gritar e lançou-se em
sua direção, mas a carruagem seguiu adiante e virou em um pátio. Erast desceu
e já estava se dirigindo para a entrada de uma casa imensa, quando de repente
se sentiu abraçado por Liza. Ele empalideceu — depois, sem responder uma
palavra às suas exclamações, pegou-a pelo braço, levou-a ao seu gabinete, trancou
a porta e lhe disse: “Liza! as circunstâncias são outras; agora estou casado.
Deves deixar-me em paz e, para o teu próprio bem, esquecer-me. Eu te amei e
ainda te amo, isto é, desejo a ti tudo de bom. Aqui estão cem rublos, pega-os
— ele colocou o dinheiro em seu bolso —, deixa-me beijar-te pela última vez e
vai para casa”.
Antes
que Liza pudesse voltar a si, ele a levou para fora do gabinete e disse ao
criado: “Acompanha esta moça até o pátio”.
Neste
momento estou com o coração sangrando. Esqueço-me do homem em Erast; estou
pronto a amaldiçoá-lo, mas meus lábios não se movem — olho para o céu, e uma
lágrima rola em meu rosto. Ah! Por que não escrevo um romance, ao invés de um
triste fato passado?
Quer
dizer então que Erast enganara Liza, ao lhe dizer que ia para o exército? Não,
ele de fato foi para o exército, mas, ao invés de combater o inimigo, jogava
cartas e perdeu quase todas as suas posses. Logo a paz foi declarada e Erast
retornou a Moscou cheio de dívidas. Restava-lhe apenas uma possibilidade de
reparar as circunstâncias: casar-se com uma viúva rica, já entrada em anos, que
havia muito estava apaixonada por ele. Ele se decidiu por isto e foi viver na
casa dela, dedicando sinceros suspiros a sua Liza. Mas isso tudo é suficiente
para justificá-lo?
Liza
se viu na rua, e em tal situação, que nenhuma pena é capaz de descrever. “Ele,
ele me expulsou? Ele ama outra? Estou perdida!” Estes eram seus pensamentos,
seus sentimentos! Um desmaio cruel os interrompeu por um momento. Uma mulher
bondosa que passava pela rua deteve-se sobre Liza, que estava deitada no chão,
e tentou reanimá-la. A infeliz abriu os olhos, levantou-se com o auxílio dessa
boa mulher, agradeceu e pôs-se a andar, sem saber para onde ir. “Não posso
continuar vivendo — pensou Liza. — Não posso!... Ah, se o céu caísse sobre mim!
Se a terra tragasse essa pobre criatura!... Não! O céu não está caindo; a terra
não está tremendo! Ai de mim!” Ela caminhou para fora da cidade e de repente se
viu à beira do lago profundo, à sombra dos carvalhos antigos que algumas
semanas antes haviam sido testemunhas silenciosas de seu êxtase. Essas
recordações abalaram-lhe a alma, seu rosto estampava o terrível tormento de
seu coração. Mas pouco depois mergulhou num devaneio, olhou a sua volta e viu a
filha de um vizinho (uma menina de quinze anos), que vinha pela estrada;
chamou-a, retirou do bolso dez imperiais
e, entregando-os a ela, disse: “Querida Aniuta, minha querida
amiga! Leva esse dinheiro para minha mãe — não foi roubado —, diz-lhe que Liza
sente-se culpada diante dela, que ocultei dela o meu amor por um homem cruel,
por E... Para que saber o nome dele? — Dize que ele me traiu e pede-lhe que me perdoe.
— Deus haverá de assisti-la. Beija-lhe a mão assim como agora beijo a tua, dize
que a pobre Liza lhe pediu para beijá-la, dize que eu...”. Nesse instante Liza
atirou-se na água. Aniuta pôs-se a gritar e a chorar, mas não conseguiu
salvá-la, e correu para a aldeia — as pessoas se reuniram e retiraram Liza, mas
ela já estava morta.
E
assim terminou sua vida, bela de corpo e alma. Quando nos encontrarmos na
outra vida, hei de te reconhecer, doce Liza!
Ela
foi enterrada perto do lago, sob um carvalho sombrio, e sobre seu túmulo foi
colocada uma cruz de madeira. Muitas vezes me sento aqui, perdido em
pensamentos, apoiando-me no lugar onde jazem os restos mortais de Liza; o lago
corre diante de meus olhos, e as folhas farfalham sobre minha cabeça.
A
mãe de Liza ouviu falar da terrível morte da filha e seu sangue gelou de horror
— os olhos fecharam-se para sempre. A cabana ficou vazia. O vento uiva lá
dentro, e os camponeses, supersticiosos, ao ouvir seu ruído durante a noite,
dizem: “Há um morto lá gemendo, a pobre Liza está gemendo!”.
Erast
foi infeliz até o fim de sua vida. Ao saber do destino de Liza, não pôde
encontrar consolo e considerava-se um assassino. Eu o conheci um ano antes de
sua morte. Ele mesmo contou-me esta história e levou-me até o túmulo de Liza.
Agora é possível que já tenham se reconciliado!
1792
Tradução de Natalia Marcelli de Carvalho e Fátima Bianchi
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